Impossível uma pessoa que goste de discutir temas urbanos se abster sobre Brasília. O projeto da cidade que completa 66 anos nesta sexta diz tanto sobre sua alma quanto o fato de ser a sede do governo federal. Há quem ame as avenidas largas e a lógica da organização dos setores do Plano Piloto. Há quem odeie justamente as mesmas coisas. O responsável por esse urbanismo é Lúcio Costa, mas poderia ser uma série de outros arquitetos. Porque parecia que o destino da nova capital era ter um caráter modernista.
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Quando foi decidido que o projeto de transferir a capital para o Planalto Central, uma ideia já prevista na primeira constituição republicana, de 1891, finalmente sairia do papel, o presidente Juscelino Kubitschek designou Oscar Niemeyer para comandar os trabalhos da elaboração do projeto urbanístico. O arquiteto rejeitou a oferta, sugerindo o lançamento de um concurso para definir o urbanismo e se oferecendo para projetar os principais edifícios da nova cidade. JK aceitou a ideia.
Foi na forma como se conduziu esse concurso que se definiu o destino da cidade. As regras foram elaboradas pela Novacap (Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil), criada especificamente para viabilizar a construção de uma cidade inteira em apenas três anos. Tanto que tinha autonomia para realizar contratações sem licitação – o que ajudou a acelerar o processo.
Os projetos seriam apreciados por uma comissão composta por um representante da presidência, um indicado por uma associação de engenheiros, dois membros do Instituto de Arquitetos do Brasil e três urbanistas estrangeiros indicados por Juscelino. Esse grupo tinha forte influência modernista, pois a maioria dos jurados estavam ligados a Niemeyer, diretor de urbanismo da Novacap.
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Foram entregues 26 propostas e sete foram indicadas como finalistas. Todas elas com o caráter modernista de setorização, funcionalidade e eficiência dentro da visão da época. A visão de Lúcio Costa venceu, mas as demais não traziam uma Brasília tão diferente em sua essência. Veja só:
Boruch Milman
A administração governamental seria instalada em uma cidade pequena, de crescimento controlado, ao lado de uma área de expansão supostamente ilimitada em cidades-satélite. A capital teria um formato em L e ficaria às margens do Lago Paranoá e as zonas residenciais alternariam casas e edifícios de três ou doze andares.
Rino Levi
Brasília seria a cidade dos arranha céus, com sua estrutura pensada na vertical. Rino Levi imaginou uma cidade com torres de mais de 300 metros com comércio, habitação, escolas e escritórios. Cada superbloco teria quatro unidades residenciais para 4 mil pessoas cada, conectadas por pavimentos de ligação, com escolas, comércio e até hospitais a cada sete andares. Os conjuntos habitacionais seriam formados por grupos de três superblocos e cercariam o setor administrativo da cidade.
MMM Roberto
A capital federal seria a junção de sete pequenas cidades de 72 mil habitantes cada. A ideia dos irmãos Marcelo, Mílton e Maurício Roberto era criar subcidades circulares autossuficientes em comércio, lazer, educação e saúde. As distâncias seriam pequenas, com uma pessoa podendo chegar ao centro de sua área em 15 minutos de caminhada. Nessa área central estaria a maior parte dos serviços e até parte da administração. Lá também passariam monotrilhos, que ligariam as minicidades entre si e à Praça dos Três Poderes. Se Brasília crescesse muito, o projeto contemplava a possibilidade de se dobrar a quantidade de subcidades.
Henrique Mindlin e Giancarlo Palanti
Brasília ficaria imersa em áreas verdes, com traçado contornando o Lago Paranoá. A organização da cidade não seria tão diferente da atual, pois ela se dividiria em um eixo administrativo e um de habitações, com comércio e lazer no cruzamento. O problema é que esse projeto previa a separação da moradia por classes e deixava ministérios e embaixadas muito distantes.
Vilanova Artigas
Era o projeto mais verde entre os finalistas. Brasília seria dividida em zonas administrativa, comercial e residencial com espaço até para pequenas chácaras. A população seria separada entre funcionários públicos e pessoas que estivessem por pouco tempo (turistas ou moradores de temporada).
Milton Ghiraldini
O centro teria os setores administrativo, comercial e cultural. Em torno dele haveria quatro superquadras com até 2 km de extensão cada e parques interiores. O trânsito de pedestres e o de automóveis seriam independentes entre si.
Obs.: Para saber mais dos projetos que não foram finalistas, veja esse ótimo artigo na revista AU – Arquitetura e Urbanismo.