O que é? Irene Quintáns é consultora de mobilidade urbana da Red OCARA, que desenvolve projetos sobre cidade, arte e arquitetura com crianças e vice-presidente da Associação Brasileira pelo Direito de Brincar e à Cultura (IPA). Os estudos e atividades que promove abordam o caminho escolar em conjunto com os pais e comunidades buscando considerar não só as preocupações familiares, mas também as circunstâncias sociais e, principalmente, a percepção da criança sobre seus deslocamentos diários.

Crescer na cidade fazendo parte dela

A volta as aulas é um momento de adaptação: as ruas ficam mais cheias, as crianças precisam mudar a rotina, os pais se preocupam com a segurança delas enquanto estão fora. Considerar o trajeto de casa até a escola e vice-versa como uma oportunidade de integração dos alunos com o espaço público e não apenas um risco ou obrigação a ser superada diariamente é a proposta que Irene leva para as instituições de ensino, famílias e estudantes. Mesmo com suas crianças em casa ainda de férias, ela encontrou um tempo para uma conversar sobre as possibilidades de estimular o desenvolvimento e a confiança infantil a partir do caminho escolar.

Irene Quintáns começou a se interessar por mobilidade de crianças em idade escolar quando conheceu o Programa Municipal Caminhos Escolares de Barcelona, onde fez pós-graduação. Espanhola vivendo há cinco anos no Brasil, ela desenvolveu seu primeiro trabalho sobre o tema entre 2011 e 2013 com 1600 alunos de duas escolas em Paraisópolis. Entre as crianças que participaram da pesquisa, 85% caminhavam até a escola sozinhas ou em grupo.

Irene ressalta que para estimular a confiança, melhorar a saúde e a sociabilidade, a criança não precisa necessariamente ir sozinha, mas é importante que use um meio de transporte ativo que permita explorar o ambiente, ou seja, que vá a pé ou de bicicleta. O estudo feito em Paraisópolis indicou que os alunos atravessavam a rua sem cuidado, o que motivou a realização de um programa de educação em segurança viária. Ela acredita que deve-se levar em conta as características dos lugares por onde as criança passa para determinar se ela está preparada para fazer o trajeto de maneira mais autônoma. Enquanto as crianças da periferia caminham, o colégio Madre Cabrini conta uma faixa especial para embarque e desembarque de alunos e, em Higienópolis, muitos jovens que moram e estudam no bairro se deslocam sem a supervisão de adultos.

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Em Paraisópolis, foram planejadas mudanças em conjunto com o projeto de urbanização da Secretaria Municipal de Habitação para restringir o espaço para carros e priorizar os pedestres em uma rua com grande volume de tráfego que fazia parte do caminho dos estudantes. Também foi planejada construção de uma escadaria conectando duas ruas com um desnível de 10 metros entre elas, mas as mudanças ainda não foram implantadas pela administração municipal.

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Quando questionadas sobre os problemas urbanos, as crianças tendem a indicar preocupações coletivas e a achar soluções rapidamente. “Os adultos geralmente falam sobre seus pontos de vista, que não necessariamente irão trazer o bem para todos. Isso não acontece isso com as crianças”, conta Irene. Com a exceção da idade, a partir de 10 anos, em que o cérebro está apto para perceber qual a distância de um carro e a velocidade em que ele se aproxima, a principal diferença entre a mobilidade de crianças e adultos diz respeito à altura. As muito pequenas demoram mais para atravessar a faixa de pedestres, ou seja, se uma rua oferece boas condições para elas se deslocarem, também atende às necessidades das outras pessoas que caminham por ali.

As premissas de desenho de via para crianças são as que todos precisamos: limitar a velocidade em vias urbanas (maximizando as possibilidades de sobrevivência em atropelamentos), calçadas acessíveis, largas, sem lixo e bem iluminadas. Cruzamentos seguros, boa sinalização, calçadas arborizadas que oferecem sombra, cor e amenizam a temperatura.

Irene Quintáns

Em seu trabalho mais recente, Irene fez um levantamento sobre os trajetos realizados pelas crianças da escola Oscar Pereira Machado, no Jardim Ângela. Quando questionadas se tinham um motivo para não ir a pé até a escola, 14% dos estudantes responderam de forma espontânea que tinham medo de atropelamento. Cerca de 30% dos estudantes de 12 a 13 anos da região do Morro do Índio evitam se deslocar a pé para não precisarem atravessar a estrada do M’Boi Mirim, que fica a aproximadamente um quilômetro de distância de suas casas. Essa proporção corresponde ao número de alunos que usam o transporte escolar no bairro, que é bem mais baixa entre os estudantes que moram no Jardim Nakamura (3%), que não precisam passar por essa via. “O caminho escolar começa a ser feito de transporte escolar quando a criança tem que atravessar a M’Boi Mirim, a distância não é fator determinante”, explica ela.

Entre as medidas necessárias para tornar a via mais segura para os estudantes, Irene cita a redução do volume do tráfego, restringir a velocidade de circulação dos motoristas, melhorar a localização dos faróis, os tempos semafóricos e mobilizar o comércio local. Ela faz referência à outra consultora espanhola de mobilidade, Marta Román, que destaca a confiança em “desconhecidos” – que também se propõem a cuidar do bem-estar das crianças – como parte do contexto social que favorece maior autonomia na mobilidade infantil.

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A falta de bicicletários na escola foi a principal razão apontada pelas crianças para não se deslocarem pedalando no Jardim Ângela. Em 2012, a Secretaria de Educação da cidade São Paulo chegou a implantar o programa Escolas de Bicicleta, que disponibilizava bikes de aro 20 e 26 para alunos usarem nos seus trajetos. Irene conta que o projeto acabou, mas serviu de inspiração para o programa “Al colegio en bici”, de Bogotá.

A consultora de mobilidade defende que o cultivo de uma relação com a cidade exerce um papel importante no desenvolvimento integral da criança. Irene conta que estimular as crianças a andar ou pedalar – com ou sem a companhia de adultos – equivale a depositar nelas a confiança de que são capazes de assumir pelo menos parte da responsabilidade de cuidar de si mesmas. Por outro lado, elas aprendem a cuidar do espaço público e passam a se importar com o bairro onde moram, incentivando melhorias e mobilizando os adultos.