O que é? Curitiba é vista país – e mundo – afora como um exemplo de planejamento urbano e políticas de mobilidade. Porém, o modelo envelheceu. Adit Miranda, engenheiro químico, fã de JRR Tolkien, Fórmula 1, futebol internacional e torcedor do Atlético Paranaense, explica como isso aconteceu e o porquê. No seu texto de estreia para o Outra Cidade, ele pediu para reproduzir uma crença: “Transporte público de qualidade é sinônimo de uma sociedade desenvolvida”. Nós também acreditamos.
A cidade e a fama
A fama criada pela excelência no sistema de transporte em Curitiba rompeu as fronteiras nacionais e internacionais. Desde a década de 70, a inovação na forma de canaletas exclusivas para ônibus fez com que o transporte público fosse beneficiado ante o carro particular. O uso de terminais em diversos bairros e estações-tubo alavancaram a integração em toda a cidade e beneficiaram a população que, ao usar o sistema, paga somente uma passagem no deslocamento total. Mas o que era uma vantagem está virando um tormento para os curitibanos.
O que estamos observando ao longo dos últimos 20 anos é a defasagem do sistema. O crescimento da população não foi acompanhado pelos especialistas. Eles não se adaptaram. As autoridades aumentaram a malha, é verdade, inclusive sem o uso da integração. Diversos ônibus municipais não circulam pelas canaletas e não podem pegar passageiros nas estações-tubo. Porém, a ideia de integração somente em estações tubo e terminais continua lá, estacionada há mais de 30 anos. Enquanto isso, cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, que detinham sistemas públicos muito mais atrasados, já ultrapassaram há muito tempo a dita “capital modelo”.
Além Curitiba
São Paulo foi uma das primeiras grandes cidades brasileiras a introduzir esse sistema. Nele, o usuário pode realizar várias integrações em ônibus municipais pagando uma única passagem, por um determinado período de tempo. Oferece ainda integração com outros meios de transporte, como trens e metrô. Outra capital que também aderiu a esse sistema foi o Rio de Janeiro, em 2009. Nas duas capitais, o sistema liga a cidade e a região metropolitana, por meio dos trens da CPTM e do metrô, em São Paulo, e dos trens e das barcas, no Rio de Janeiro.
Curitiba precisa urgentemente aprender com Rio e São Paulo. Atualmente, estamos observando o buraco onde a cidade está, com as constantes greves, muitas justas, diga-se de passagem, causadas pelos motoristas e cobradores. Nos últimos meses um caos foi instalado no transporte pela quebra da integração entre Curitiba e região metropolitana. Era um sistema sólido e consolidado desde 1996, e que auxiliava bastante os habitantes de ambas as regiões. Porém, rixas políticas entre o prefeito da capital (responsável pela integração na cidade) e o governador do Estado (responsável pela integração na região metropolitana), antigos adversários políticos, além de problemas financeiros, acabaram com essa integração, ignoraram o bom senso e feriram os interesses da população. Além disso, a saturação do transporte público é evidente. A cidade está sufocada por um modelo que foi bom – mas está atrasado.
No entanto, como o objetivo aqui é tentar destrinchar uma forma de implementar um bilhete único dentro do município de Curitiba, trouxe aqui 5 casos que ilustram a necessidade urgente de alternativas ao modelo de integração. Afinal, o Outra Cidade é jornalismo de soluções.
Em um primeiro momento, são exemplos que conectam somente bairros de Curitiba. As simulações foram feitas usando o Google Maps na opção transporte público com os filtros “melhor trajeto” e “menos baldeações” e com saída às 6:20 da manhã e retorno às 5:00 da tarde.
- Ganchinho (Sul) – Santa Felicidade (Oeste)
O usuário terá que usar no mínimo três linhas de ônibus para chegar ao seu destino final ou adjacências na parte da manhã. Iniciamos usando a linha 535 (alimentador Osternack/Boqueirão) até o Terminal Boqueirão onde, por meio da integração interna, usará o 503 (Biarticulado Boqueirão), até o seu ponto final na Praça Carlos Gomes na região central da cidade.
Terá de descer (fim da 1º passagem) e andar três quadras até pegar o 307 (ligeirinho Bairro Alto/Santa Felicidade) que o levará até o Terminal de Santa Felicidade e novamente, por meio de uma integração interna, encaminhá-lo ao seu destino final. O Google calcula um tempo de viagem total em cerca de 1h34min. Isso daria perto de 7:54 da manhã e duas passagens usadas. No retorno, as mesmas linhas usadas e o mesmo ponto de descida e o pagamento da segunda passagem. Um tempo total de 1h40min, o que daria 6:40 da noite.
No total, o usuário gastou quatro passagens (considerando a passagem atual R$ 3,30 x 4 = R$ 13,20 em um único dia). Se extrapolarmos essa conta, o usuário gastará no mês em dias úteis (20) cerca de R$ 264. Em um ano será próximo de R$ 3170.
E no modelo de bilhete único, considerando integração com dois ônibus diferentes em até duas horas, seguindo o modelo carioca? O usuário gastaria duas passagens (considerando a passagem atual R$ 3,30 x 2 = R$ 6,60, um único dia). Se extrapolarmos essa conta, o usuário gastaria no mês em dias úteis (20) cerca de R$ 132. Em um ano será próximo de R$ 1584. O cidadão economizou metade do orçamento de transporte.
- Bairro Alto (Leste) – Cidade Industrial de Curitiba (Sul)
Considerando que o usuário caminhe até o Terminal do Bairro Alto, a linha será a 307 (ligeirinho Bairro Alto/Santa Felicidade). No meio do trajeto, ele terá de desembarcar no centro da cidade (fim da primeira passagem) e pegar outra linha – 607 (ligeirinho Colombo/CIC) que o levará até o Terminal CIC.
Por meio de um alimentador (ônibus da integração interna terminal-bairro), o coletivo o levará até o seu destino final. Um tempo de viagem de 1h43min, o que dá 8:03 da manhã. No retorno, as mesmas linhas usadas na ida. O cálculo é o mesmo usado no exemplo 1, com uma economia de R$ 132/mês. Como nos dois casos acima, várias outras linhas, que poderiam beneficiar o usuário com uma única passagem de integração, acabam por fazer o custo dobrar.
- São Lourenço (Norte) – Água Verde (Central)
Há a opção por uma única linha que liga os dois bairros (180 – Água Verde / Abranches), em 29 minutos, mas em outras linhas como a 205 – Barreirinha, 272 – Paineiras ou 274 – Santa Gema, o usuário tem que descer (fim da primeira passagem) e pegar a linha 180 ou 285 (Juvevê / Água Verde) levando 1h07min no total.
No retorno, a opção é usar a linha direta 180 em 32 minutos, ou então usar o biarticulado Santa Cândida/Capão Raso, descer no meio do trajeto (fim da primeira passagem) e subir em uma das linhas 181 (Mateus Leme), 182 (Abranches), 183 (Jardim Chaparral), 184 (Vila Suiça). O tempo estimado fica próximo de uma hora. O modelo atual consome não apenas dinheiro, mas muito tempo das pessoas.
- Cajuru (Leste) – Seminário (Oeste)
O usuário inicia o percurso pelo biarticulado Centenário/Campo Comprido (303) e precisa descer (fim da primeira passagem) para pegar outra linha, a 860 – Vila Sandra. Uma viagem de 55 minutos. Existe, sim, a opção de pagar somente uma passagem. O usuário pode descer em um terminal mais distante e usar o modelo da integração interna com outra linha, a 021 (Interbairros II). Porém, uma opção mais demorada em 10 minutos. O retorno também indica que a opção pelo pagamento de duas passagens e sem integração é mais viável e de menor tempo.
- Alto Boqueirão (Sul) – Santa Cândida (Norte)
O percurso inicia pelas linhas 532 (Jardim Paranaense) ou 535 (Osternack Boqueirão). O ponto final é dentro de um terminal (Boqueirão), onde o usuário faz uma integração interna com a linha 503 – Biarticulado Boqueirão. No entanto, o usuário tem que descer no meio do trajeto (região central da capital) e pegar outro biarticulado, Santa Cândida/Capão Raso, 203. Uma viagem de 1h39min.
No retorno, o usuário muda a configuração do trajeto. Sobe na linha 270, Fernando de Noronha, até um ponto próximo ao tubo da linha 207, Barreirinha/São José, que o leva diretamente ao Terminal do Boqueirão e, dali, pega um alimentador até a sua residência. É uma viagem de 1h41min.
Torcemos por um futuro melhor para a cidade, para os seus habitantes e por melhores políticos. Fazer a população ficar restrita a tubos e terminais é inadmissível com opções que grandes cidades já usaram e mostraram eficácia. Curitiba precisa se modernizar.