Os Jogos Paraolímpicos de 2016 foram bem sucedidos em vários tipos de medição. O público nas arenas chegou a superar um dia dos Jogos Olímpicos, a audiência da TV foi marcante (ao menos na Sportv, pois ficou quase esquecida na TV aberta) e o Brasil teve recorde de medalhas, ainda que não tenha atingido a meta de ficar no quinto lugar no quadro. Mas o sucesso real não apareceu na TV, não subiu ao pódio, não se definiu com a extinção do fogo da pira paraolímpica no Maracanã. Ele se verá nas ruas.
Durante uma semana e meia, o público e a imprensa aprenderam a ver o para-atleta como um esportista capaz de competir em alto nível dentro de sua categoria. Mas o para-atleta e a Paraolimpíada representam um universo maior, que se celebra nesse 21 de setembro, o Dia Nacional da Luta da Pessoa com Deficiência. A briga aí não é por condições de treinamento ou atenção de público e mídia, é pelo direito de se locomover com autonomia.
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A cena final da Cerimônia de Abertura dos Jogos representaram isso, com uma escadaria se transformando em rampa para Clodoaldo Silva subir com sua cadeira de rodas e acender a pira paraolímpica. Mas o cenário montado no Maracanã não representa a realidade das cidades brasileiras (e de boa parte do mundo).
#DanielDias você é o cara! Sou da cidade de São Luís! Centro histórico acessibilidade zero! #Estudioi pic.twitter.com/jVhGjBtfh7
— Fábio O Cadeirante (@fabiocaderante) 19 de setembro de 2016
A estrutura para essas pessoas ainda é muito falha. Faltam calçadas niveladas e com boa pavimentação, faltam pisos podotáteis, faltam rampas. E, quando há essas coisas, às vezes não é feito com o cuidado necessário – e previsto por lei. Como no caso desse piso que leva um deficiente visual a dar uma cabeçada na árvore, no dessa rampa que derruba um cadeirante ou na falta respeito a vagas de estacionamento para deficientes. Os exemplos foram pinçados no Twitter, mas não precisa de muito esforço para qualquer brasileiro encontrar situações parecidas em sua cidade.
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Nem no Rio de Janeiro, que viveu os Jogos Paraolímpicos de perto e refez parte de sua infraestrutura urbana, a situação está longe do ideal. O BRT e o VLT, feitos para os Jogos, são a aposta da prefeitura como exemplos de transporte público acessível. O jornal Extra fez uma experiência com um cadeirante dias antes da Paraolimpíada e o resultado não foi dos melhores, ainda que a secretaria municipal de transportes calcule em 91% os ônibus (incluindo 100% dos BRTs) com elevadores para cadeiras de rodas.
Em São Paulo, a prefeitura afirma que 49,9% dos ônibus tenham estrutura para cadeirantes após uma renovação da frota em 2015. É uma evolução considerável, mas, no fundo, significa que um usuário de cadeira de rodas não consegue acessar normalmente metade dos ônibus da maior cidade do país, quando o ideal era poder pegar todos. E, de qualquer modo, não adianta adaptar os ônibus, BRTs, VLTs, trens e metrôs se as calçadas continuam sendo armadilhas para quem tem dificuldade de locomoção (o que não considera apenas cadeirantes, mas quem tem muletas ou caminha com dificuldade, mesmo sem usar algum equipamento de auxílio).
É o caso de Londres, a cidade que recebeu a edição mais bem sucedida dos Jogos Paraolímpicos em 2012. Quatro anos depois, a infraestrutura para portadores de deficiência ainda precisa melhorar na capital inglesa. Em entrevista ao jornal O Globo, Brett Smith, professor da Escola de Esporte, Exercício e Reabilitação da Universidade de Birmingham, afirmou que a Paraolimpíada “falhou, e muito, em tornar Londres um lugar melhor e mais acessível para as pessoas com deficiência”.
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De fato, ainda há o que melhorar. O metrô de Londres se orgulha em dizer que 50% do sistema está adaptado. É verdade, mas o dado é utilizado de forma bastante generosa. Basta olhar um mapa recente para perceber que as estações acessíveis estão fortemente concentrada nas linhas de DLR (veículo leve sobre trilho), construídas recentemente em regiões de urbanização recente (com menos usuários) e com capacidade de transporte muito menor que um trem ou metrô convencional. No centro, a área 1 do mapa, onde há mais concentração de usuários, só 11 das 53 paradas (20,8%) têm elevador ou estrutura para cadeiras de rodas.
As dificuldades de Londres, mesmo quatro anos após os Jogos, mostra como a luta por mais acessibilidade nas cidades é dura e longa. Mas é fundamental que a inspiração dos para-atletas não se limite ao desempenho esportivo, mas também em alertar que há milhões de pessoas em situação parecida apenas querendo a oportunidade de mostrar que, se um portador de deficiência pode brilhar na piscina e nas pistas, não há motivo para ele não conseguir ir sozinho à padaria ao lado de sua casa.