O que é? Escadas, travessas, faixas, calçadas, passarelas: os pedestres têm tantas opções que fica difícil decidir qual o melhor caminho. Para ajudar os pedestres a definir seus trajetos, Camila Montagner selecionou algumas iniciativas que mapeiam, analisam e apoiam a mobilidade a pé.

Cidade Ativa: Safári Urbano e Olha o degrau

Gabriela Callejas é arquiteta e urbanista, tem trinta anos e mora há doze em São Paulo. Ela faz parte do Cidade Ativa, um grupo que incentiva o Active Design. E o que Active Design significa? A busca por fazer das cidades lugares mais saudáveis, estimulando o transporte ativo como forma de prevenir doenças como, por exemplo, a obesidade.

Uma das atividades realizadas pelo Cidade Ativa é o Safári Urbano, que mede as dimensões, a quantidade de passantes e faz desenhos da percepção do espaço das calçadas. Os dados coletados são analisados para avaliar a qualidade da estrutura sob a perspectiva do pedestre. A estrutura é dividida em quatro planos: o piso, a via, a cobertura (fios, marquises, árvores, toldos) e edifícios.

Os quatro planos da calçada observados pelo projeto Safári Urbano: piso, via, cobertura e edifício

Os quatro planos da calçada observados pelo projeto Safári Urbano: piso, via, cobertura e edifício

Em São Paulo a análise foi realizada em cinco calçadas na Berrini e Marginal Pinheiros, com a participação da EMBARQ Brasil e do USP Cidades. O resultado parece óbvio para quem anda pela cidade todo dia – mas as coisas não são tão óbvias assim.

A falta de continuidade no piso da calçada, que é de responsabilidade de cada proprietário e muda frequentemente de padrão entre um e outro, é um dos problemas. Você está numa calçada lisa e cai, sem perceber, num campo minado. A forte presença de grades e muros contínuos, impedindo a visão de quem está dentro e fora dos prédios, é outro problema. A cidade fica parecendo um lugar escuro, ameaçador. As ruas analisadas eram monótonas de olhar, mas cheias de surpresas para caminhar. Elas contavam uma história. A gente só precisava prestar atenção nela.

Em 2014, na cidade mineira de Juiz de Fora, o grupo fez uma palestra sobre como o Safári funciona e saiu com pranchetas em mãos por quatro calçadas do centro. Na ocasião foi criada a equipe de trabalho Calçadas Ativas, que ficou responsável por coordenar as próximas ações do projeto, ou seja, fazer mudanças estruturais para facilitar a vida de quem anda a pé e também tornar as passagens mais acessíveis. A atividade foi organizada em parceria com a EMBARQ Brasil e a administração municipal, que escolheu os locais que foram observados.

Outra iniciativa, o Olha o degrau, mapeia as escadas de São Paulo para incentivar a inclusão dessas estruturas nos trajetos dos pedestres. Ações de requalificação também já foram realizadas pelo grupo na escadaria Alves Guimarães, em Pinheiros, com a participação dos moradores do entorno. Juntos, eles já pintaram o tapume de uma obra próxima, trouxeram a grafiteira Mari Pavanelli para dar cara nova ao local e fizeram parcerias com o estúdio Superlimão e a Zoom para a construção de mesas de piquenique e bancos. Agora eles estão planejando uma oficina de jardinagem nos canteiros laterais em parceria com o Green SP e pretendem agendar atividades de lazer para aproximar os vizinhos.

Uma das atividades desenvolvidas pelo Cidade Ativa na escadaria Alves Guimarães foi a pintura dos degraus (foto: Facebook/Cidade Ativa)

Uma das atividades desenvolvidas pelo Cidade Ativa na escadaria Alves Guimarães foi a pintura dos degraus (foto: Facebook/Cidade Ativa)

A gente percebe que a continuidade depende do engajamentos dos envolvidos, é essencial envolver as pessoas.

Gabriela Callejas

O Cidade Ativa também está ampliando o mapeamento, fazendo análises, workshops com moradores e pensando possíveis reformas para as escadarias do bairro Jardim Ângela.  O mapa é colaborativo, e qualquer pessoa pode indicar a localização de uma escada. Mesmo assim, Gabriela diz que há muitos degraus que ainda estão de fora do mapa, principalmente nas regiões distantes do centro expandido.

Além de ajudar outros pedestres contribuindo com novos pins no mapa, também é possível participar das ações do grupo, que é todo composto de voluntários. O resultado das ações realizadas são medidas com base no trabalho de Jan Gehl, levando em consideração se o trabalho causa impacto na forma como as pessoas utilizam os espaços.

Corridaamiga: Calçada cilada

Recomendar novas rotas facilita a escolha do trajeto pelos pedestres, assim como apontar lugares que não são adequados para passar a pé. Foi o que fizeram os voluntários do Corridaamiga, uma rede de voluntários inspirada no Bike Anjo que oferece apoio para quem quer começar a correr pela cidade.

O Corridaamiga começou as suas atividades em 2014, conectando corredores experientes às pessoas que desejam adotar a corrida como meio de locomoção. Eles já ajudaram mais de 100 iniciantes diretamente e se dispõem a tirar dúvidas sobre alimentação, roupas apropriadas e escolha de rotas. Se você quer começar a correr no trânsito, pode solicitar um corredor para te acompanhar nas primeiras experiências ou pedir dicas por email, caso não haja um voluntário por perto. Também foi elaborado um Manual de Deslocamento Ativo, que está disponível para consulta online.

Já a iniciativa do Calçada Cilada começou em março, como uma brincadeira, convidando as pessoas a tirarem selfies com calçadas problemáticas. Com a ajuda dos cerca de 90 corredores voluntários e também de outras organizações parceiras, as fotos foram organizadas sobre o mapa que tem o suporte do aplicativo Cidadera.

Além de alertar os pedestres sobre os problemas, também é possível monitorar se aquela calçada foi melhorada e se tornou mais caminhável. Andrew Oliveira, um dos voluntários, conta que a cratera que aparece na foto abaixo, tirada em frente a uma escola, foi fechada e hoje os alunos podem circular por ali com mais tranquilidade.

Armadilhas para pedestres: o Calçada Cilada aponta no mapa os lugares para evitar passar a pé (foto: Andrew Oliveira)

Armadilhas para pedestres: o Calçada Cilada aponta no mapa os lugares para evitar passar a pé (foto: Andrew Oliveira)

Desenhe sua Faixa

Há passagens que o pedestre pode incluir no seu trajeto. Outras, é melhor nem passar perto. E também há aquelas que deveriam existir, mas não foram implantadas – elas ignoram a sabedoria de que uma reta é a menor distância entre dois pontos. Quando isso acontece, a única opção é caminhar mais de 400 metros para chegar ao ponto de ônibus que fica em frente, mas do lado oposto da rua do seu trabalho ou da sua casa.

Com quantas latas de tinta branca se faz uma cidade mais caminhável? (foto: Camila Montagner)

Com quantas latas de tinta branca se faz uma cidade mais caminhável? (foto: Camila Montagner)

O Desenhe sua Faixa foi criado para registrar essas demandas por faixas de pedestres. Nesses lugares, quem anda a pé precisa se arriscar porque falta uma sinalização mais amigável para quem caminha. O mapeamento também usa como base a plataforma Cidadera e recebe indicações de faixas apagadas ou inexistentes e permite registrar se o problema foi resolvido.

“O objetivo é consolidar a mobilidade a pé, garantindo qualidade e segurança nas travessias. A partir do aprimoramento das sinalizações, demonstra-se que a cidade é feita para as pessoas, valorizando aquela parte integrante do trânsito da cidade que é muitas vezes ignorada: o pedestre”

Renata Rabello, responsável pelo Desenhe sua Faixa

Sem saber que era impossível, algumas pessoas foram lá e fizeram sua própria faixa de pedestres. No começo de março, um grupo se organizou para pintar uma faixa na rua Pascoal Vita, entre as vilas Madalena e Beatriz. Eles estavam esperando há três anos pela sinalização, mas apenas algumas semanas depois que eles agiram a CET cobriu a faixa de tinta preta e pintou uma nova no local, alegando que as linhas estavam fora dos padrões.

Passo a passo: faça você mesmo sugestões de caminhos para pedestres (e ciclistas)

Se você já tentou usar o Google Maps ou Street View para te ajudar a escolher o melhor trajeto e chegar a algum lugar a pé, é quase certo que tenha percebido que esse recurso falha miseravelmente com quem caminha. Depois de passar um período indisponível, a ferramenta Map Maker foi liberada novamente para os usuários brasileiros em agosto e agora qualquer pessoa pode ajudar o Google, indicando qual o melhor caminho para quem quer ir andando – ou lugares para evitar passar.

Depois que você conta para o Google qual a melhor rota, a sua recomendação é avaliada por outros usuários da vizinhança. Também é possível indicar a localização de paraciclos e caixas eletrônicos, por exemplo. As edições feitas nos mapas são avaliadas automaticamente pelo Google e pelos chamados líderes regionais, que são pessoas que foram classificadas como confiáveis com base nas suas contribuições voluntárias para a plataforma.

Tem uma dica para encurtar ou tornar mais seguro o trajeto de um pedestre? No vídeo acima, a gravação de um hangout sobre o Map Maker organizado por Luciano Palma, você encontra as dicas de como fazer para o mapa da sua vizinhança ficar mais completo e amigável.

Afinal, quem anda a pé pode, deve, ajudar outras pessoas a caminhar. E quem sabe a gente não se encontra um dia por aí, caminhando ; )