Virada de ano também é tempo de pensar em como podemos melhorar as cidades e o que podemos fazer juntos pelo lugar onde vivemos. Para fechar 2015 e começar 2016 devidamente, vamos falar das coisas que funcionaram e também daquilo que não deu tão certo assim, do que atrasou e acabou ficando para o ano que vem. Aliás, vamos falar muito sobre o que podemos esperar de 2016 e por isso conversamos com gente engajada nos temas urbanos que marcarão presença nas esquinas, cruzamentos, nos elevadores, nos pontos de ônibus, na pracinha.

O tema do nosso segundo texto sobre projeções para 2016 é política e as próximas eleições municipais. Conversamos com Fernando Barreto, sócio-diretor da Webcitizen, que desenvolve tecnologias de impacto social. Entre as ferramentas desenvolvidas pela sua equipe estão  o Votelab, que usa um questionário respondido pelo eleitor e pelo candidato para ajudar o cidadão a escolher deputados e senadores com base na afinidade, e também o Política de Boteco, que leva para a mesa de bar os projetos de lei que estão sendo votados em Brasília e envia o resultado da avaliação popular aos representantes no Congresso Nacional.

Como você avalia a participação popular na definição das políticas públicas da atual gestão municipal? Como ela poderia ser melhorada na próxima gestão?

Eu avalio como pouco representativo, a gente não consegue manter um volume para ter mais relevância, para que a população seja mais ouvida. A gente está no caminho de ter mecanismos para dar escala nesse processo, mas eu acredito que existe um desafio de dar mais voz aos conselhos de bairro. As audiências públicas, apesar de ter gente, são de difícil acesso, um número pequeno de pessoas que consegue ir e participar disso. Fica mais difícil fazer com que esse sentimento do cidadão chegue até os gestores. Acontecem as reuniões e, pelo que eu converso com as pessoas, elas tem dificuldade em estar lá. Eu acredito que a tecnologia vai poder fazer esse canal: possibilitar que o cidadão seja mais presente, que o gestor possa escutar mais a população e usar essa informação cidadã para ajudar nas políticas públicas. Há várias ações que usam digital e físico para tentar contribuir com esse processo, mas acho que o maior desafio é levar o sentimento do cidadão até os gestores públicos. Quanto mais escala, mais pessoas participarem, mais relevância tem aquilo. A tecnologia torna isso possível sem anular o trabalho dos conselhos, a participação em uma escala maior com custo reduzido, sem necessidade de presença física.

Você arriscaria dizer quais serão os temas de mais destaque nas próximas eleições?

Tem questões básicas que sempre estão em discussão como educação, saúde e segurança, que são problemas nacionais, todo mundo quer melhorar isso de alguma forma. Alguns temas que são mais especificamente paulistanos, que é a questão da mobilidade e os problemas das grandes cidades. Pela dimensão, pela grandiosidade, a capital paulista acaba caindo na questão da gestão, da importância do bom gestor. No projeto que a gente fez no ano passado, o Votelab, no qual 12 mil pessoas e 100 candidatos a deputado responderam um questionário de 20 perguntas com duas variáveis – se eles concordavam com aquilo e qual era a urgência do tema – foi a primeira vez que eu vi um dado da percepção do cidadão indicando que a gestão era algo importante. Depois do que nós vivemos nos últimos anos no Brasil, as pessoas estão entendendo que a gestão da coisa pública impacta em todo resto. É como a gestão da nossa casa: você sabe que se ela não estiver bem feita, vai dar problema. Eu acredito que de alguma forma isso também vai impactar. A mobilidade urbana também estará muito presente porque é um problema que afeta todo mundo, você se importando ou não.

Você considera que no âmbito municipal as eleições são mais engajadoras? Qual a sua expectativa em relação a participação das pessoas nas campanhas e discussões sobre as próximas?

Nas últimas eleições de 2014 nós passamos por um processo eleitoral muito polarizado e muito polêmico. Havia muitas discussões inflamadas entre as pessoas na rua, mas, considerando as experiências anteriores, as eleições municipais são muito mais engajadas. Os problemas discutidos estão mais próximos: mobilidade urbana, corredores, bicicletas, se tem escola ou não tem. Não é como nas eleições federais, não é preciso considerar o que é bom para todo o Brasil. Se pensarmos nas últimas três eleições presidenciais, a do ano passado foi muito atípica pela proximidade entre os candidatos e a polarização. Também foi atípica pela condição da morte do Eduardo Campos, que mudou o cenário todo.  As pesquisas já indicavam que seria muito pequena a diferença de votos entre os candidatos.  A polarização implica em os candidatos estarem próximos na disputa, uma coisa leva a outra. Como as propostas eram muito distintas, acabou virando um Fla x Flu. Eu acho isso péssimo: o que estava em discussão não era o Brasil, mas se o seu candidato é melhor que o meu. É o pior dos cenários para o cidadão. Eu acredito que as eleições serão mais engajadoras porque as pessoas estão entendendo que se envolver é importante. Isso é ótimo, não existe país democrático sem política e não existe política sem participação. Na verdade até existe: se nós cidadãos não nos apoderarmos disso, ficaremos à mercê de quem foi eleito. Ao perceber que é importante participar e discutir, pela evolução natural do processo, a gente tende a debater um pouco mais os problemas e menos as pessoas. Quando o cenário é de Fla x Flu, ficamos discutindo sobre A ou B e esquecemos o problema, ainda que a expectativa seja eleger alguém com as melhores soluções. É preciso entender se aquele candidato é o que melhor representa a sua visão do problema.

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As têm ido às ruas para se manifestar sobre temas como impeachment e educação. Você acredita que as manifestações de rua podem pautar as eleições?

Manifestações que abordam assuntos de responsabilidade municipal terão impacto nas eleições porque acabam virando pauta. O impeachment é uma questão federal e a educação, no caso dos problemas abordados nas manifestações, é uma questão estadual. Essa última naturalmente já é um tema da eleição, mas não a vejo como pauta central porque as manifestações não estão ligadas diretamente ao município, e sim ao estado. Ainda assim, os candidatos e os políticos já eleitos ficam de olho nas pessoas que vão às ruas e elas influenciam as decisões deles porque são eleitores. Indiretamente ou não tão indiretamente assim, isso tem um impacto.

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Brasília tem passado por investigações de corrupção e instabilidade política. Você acha que esses problemas podem federalizar os debates nas eleições municipais?

Não acredito que federaliza, eu acho que essa é a parte ruim da história. Não que a gente não precise discutir a corrupção, temos que debater para sair melhor lá na frente e evoluir com esse cenário. A parte ruim é que isso será usado para ataques como, por exemplo, “Por que você está com fulano? Fulano fez isso”. A não ser que tenha um candidato sendo investigado, isso é destruição, não é construção. Para mim, é muito mais rico a gente discutir os problemas da cidade, como vamos resolvê-los. Quando o tema é corrupção, a discussão acaba limitada a acusações e deixa de lado o que precisa ser resolvido na cidade. Não sei se isso vai pautar ou não as eleições, mas acredito que depende muito do cidadão. Já li análises mostrando que as pessoas não gostam que a disputa vire pancadaria, elas querem discutir as propostas. Se a gente reagir a isso positivamente, interferimos no que vai ser discutido. Se dermos atenção aos ataques, aquilo reverbera e os candidatos vão continuar se batendo. Se dermos atenção ao que precisa ser feito e isso for percebido, eles serão pautados. É sempre um reflexo. Acredito nessa responsabilidade do cidadão de chegar e dizer “meu problema é mobilidade” e “me conte qual a sua proposta para resolver esse problema”. Não estou dizendo que os outros problemas são menores, mas se colocarmos a nossa pauta eles serão obrigados a dizer o que eles vão fazer, a nos dar uma resposta.