Faltam menos de dois meses para o início das competições nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Nesse momento, seria de se esperar que as instalações estivessem prontas, a capital fluminense nos ajustes finais de sua infraestrutura de mobilidade e de turismo. Não é exatamente isso o que tem ocorrido, e já há uma inegável ansiedade pela possibilidade ou conclusão de que nem tudo ficará pronto quando a pira olímpica for acesa em 6 de agosto. Por isso, receber a notícia que o governo do estado do Rio de Janeiro decretou calamidade pública devido ao evento parece a oficialização de que tudo vai dar errado. Mais ou menos.

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Colocar uma cidade ou um estado em “calamidade pública” é um artifício legal criado para agilizar as ações do poder público em situação de emergência. Os casos mais comuns são na resposta rápida após desastres naturais, como enchentes, deslizamentos ou outros problemas decorrentes de chuvas torrenciais (furacões, terremotos, nevascas e guerras são raros por aqui).  Aliás, é o que prevê o decreto 7257 de agosto de 2010:

“Para efeitos deste Decreto, considera-se (…) estado de calamidade pública: situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido.”

O que isso tem a ver com o que ocorreu no Rio nesta sexta? Muito pouco. O decreto do governador Francisco Dornelles alega que a grave crise financeira do Estado do Rio “impede o cumprimento das obrigações assumidas em decorrência da realização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016”. Entre as razões indicadas estão a queda de arrecadação do ICMS e dos royalties do petróleo. Ou seja, fica evidente que não ocorreu nenhum acidente que causasse essa crise.

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O advogado Marcus Vinícius Gonçalves, professor da escola de direito Insper, disse em entrevista à Folha que o decreto é um absurdo. “Parece ter sido escrito como forma de pressão política.” Vários outros especialistas tiveram opinião parecida. A prefeitura do Rio e o comitê organizador dos Jogos também mostraram mais surpresa com a decisão do que preocupação, até porque boa parte das obras olímpicas ficam a cargo do município.

Quem realmente ficou assustado com decreto de calamidade pública foi a imprensa internacional. Afinal, o estado da cidade-sede olímpica anunciar que está em situação financeira desesperadora soa realmente muito ruim. Ainda mais quando se soma à narrativa que domina o noticiário do Brasil e os Jogos do Rio no momento: crise econômica, confusão política, incapacidade de organizar grandes eventos, zika, violência urbana e atraso nas obras olímpicas.

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Teoricamente, não haveria motivo para o governo estadual tomar essa atitude. No entanto, ela o favorece em questões internas. Ao decretar calamidade pública, o Rio de Janeiro pode contrair novos empréstimos, o que estava bloqueado desde um calote à Agência Francesa de Desenvolvimento em maio. O resultado imediato disso foi conhecido ainda na noite desta sexta: uma ajuda de R$ 2,9 bilhões do governo federal para a conclusão da linha 4 do metrô e despesas de segurança ligadas aos Jogos.

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Outra consequência da decretação de calamidade pública tem ligação com a contratação de serviços. Segundo o artigo 24 da lei 8.666, de 1993, é dispensável a licitação “nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos”. Essa possibilidade é perigosa, pois pode ser a abertura de portas para o estado contratar serviços em geral sem os procedimentos de concorrência.

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Um terceiro efeito é o recado para o que pode ocorrer no futuro. Francisco Dornelles disse que o decreto “tem o objetivo de chamar a atenção de toda a sociedade do Rio para o estado de calamidade pública em que vivemos, abrindo caminho para que possamos tomar medidas muito duras no campo financeiro”. Por esse comentário específico, decretar calamidade soa como uma atitude mais ligada a “passar recado” do que resolver algum problema emergencial.

No final das contas, decretar calamidade parece uma medida muito mais política e manobra jurídica do que o desespero para resolver algo imprevisto. O efeito para os Jogos Olímpicos é pequeno, mas o custo ao contribuinte pode ser bastante grande.