Você conhece o cruzamento da avenida Manoel da Nóbrega com a rua Juraci Fernandes, em Mauá? Não se sinta mal em caso de não conhecer,  mesmo entre os moradores do ABC paulista esse cruzamento é desconhecido. Ou era, até a manhã de desta segunda.

Neste 1º de agosto, a prefeitura de Mauá colocou oficialmente em operação um semáforo nesse cruzamento, depois de alguns meses com uma sinalização em amarelo piscante. Com a operação, os motoristas da região passaram a conhecer o semáforo: no horário de pico, por volta das oito da manhã, eram cerca de 20 minutos de congestionamento na avenida dos Estados, sentido Mauá. E isso considerando que, pela manhã, o maior fluxo de veículos é no sentido contrário. No período da tarde, se o funcionamento do semáforo for similar, o congestionamento tende a ser muito maior.

O que esse cruzamento tem de especial? Basicamente, é o último antes de um pontilhão que funciona como ligação entre a avenida dos Estados e o Rodoanel, via avenida Rosa Kasinski. O complexo viário, no entorno da Estação Capuava da CPTM (trem metropolitano), tem bastante importância, especialmente pelo grande fluxo de caminhões do ABC paulista, principalmente de Santo André e do Pólo Petroquímico, que  usam o Rodoanel para escoar a produção e realizar entregas para as empresas da região.

Tudo isso contribuiu para a prefeitura de Mauá ter uma ideia que, à primeira vista, parecia genial: utilizar uma das ruas próximas à entrada do pontilhão para o Rodoanel para que os caminhões e demais veículos da cidade poupassem quase 1 km de retorno pela avenida dos Estados. Para vocês entenderem um pouco do que se trata essa mudança, veja o mapa abaixo:

Cruzamento entre a avenida Manoel da Nóbrega e a rua Juraci Fernandes, com explicação acerca do sistema viário (Fonte: Google Maps, editado)

Na prática, tudo funcionou muito mal. Além do fluxo de veículos vindo de Santo André ser muito maior que o vindo de Mauá, há um agravante: ao congestionar a avenida dos Estados, o semáforo também atrapalhou a vida dos motoristas que passam pela avenida dos Estados rumo à Zona Leste de São Paulo (São Mateus, especificamente). As quatro faixas da avenida (que tem problemas estruturais bem sérios, especialmente na divisa entre Santo André e Mauá) acabaram sobrecarregadas.

Com todo o transtorno causado, parece provável que a prefeitura de Mauá reveja a medida em alguns dias, mesmo porque o atual prefeito está em plena campanha eleitoral e deve evitar tudo o que implique em perda de popularidade nesse período. Mas esse tipo de intervenção deixa duas lições importantes:

1) Engenharia de tráfego é importante

Toda intervenção viária deve ser estudada com calma, sempre  com um objetivo simples: os benefícios obtidos devem ser maiores do que o transtorno causado. As intervenções viárias devem ser efetivas. E para serem efetivas, precisam ser bem embasadas.

Todo diagnóstico que embasa uma obra pública deve ser comprovado com dados técnicos. O caso do semáforo recém-inaugurado é didático em relação a isso: existia um fluxo de veículos vindo de Mauá em direção ao Rodoanel que justificasse essa obra? Não existiam opções que contemplassem esse trânsito vindo de Mauá sem causar transtorno aos motoristas vindos de Santo André.

Além disso, existem outros fatores envolvidos. Numa análise de viabilidade de obra desse porte, eles devem ter calculado o fluxo total de veículos na via, bem como a parcela desses veículos que efetivamente usa a avenida Rosa Kasinski no sentido do Rodoanel. Tudo isso ajudaria a verificar os possíveis efeitos colaterais da instalação de um semáforo no local.

É bom ressaltar que um semáforo é um ferimento mortal em vias expressas com grande fluxo de veículos. Por mais que seja um semáforo de 2 minutos por 30 segundos, por exemplo. O semáforo não apenas impede o fluxo de veículos por um período, mas diminui a eficiência da via como um todo. O esforço de aceleração, desaceleração e eventuais acidentes decorrentes disso diminuem a capacidade da vida como um todo.

Por isso, semáforos devem ser utilizados apenas quando estritamente necessário. Apenas quando o fluxo de veículos ou pedestres nas vias envolvidas torne o semáforo a única opção que de fato vá melhorar o trânsito. Não parece ser o caso nesse cruzamento, em específico. Uma opção plausível, por exemplo, seria a prefeitura de Mauá fazer esse retorno pela rua Cabo João Romeu Teixeira ou pela George William Hauck ao invés de fazer pela rua Juraci Fernandes. As ruas ruas poderiam desembocar na própria Manoel da Nóbrega, sem nenhuma necessidade de construção de semáforos, como mostram as marcações:

Vista aérea da região de Capuava, em Mauá (Fonte: Google Maps, Editado)

Vista aérea da região de Capuava, em Mauá (Fonte: Google Maps, Editado)

Olhando assim, está claro que a engenharia de tráfego para resolver o problema exposto pelo diagnóstico (fluxo entre Capuava e o Rodoanel) poderia ter sido feito de outra maneira. Mas esse é só um dos problemas.

2) Integração regional e o planejamento viário

O semáforo também expôs outro problema crônico do planejamento viário nas grandes metrópoles brasileiras. Em relação a isso, a prefeitura de Mauá é só mais um exemplo entre tantos. Não há quase nenhuma integração regional entre obras viárias de cidades vizinhas, ainda que elas sejam conurbadas.

Existe algo importante que não está no mapa, mas ajuda a explicar por que Mauá talvez não tenha se preocupado muito com o diagnóstico da instalação do semáforo: nesse trecho, a avenida dos Estados é sua divisa com Santo André. Então, o pensamento simplista do gestor público envolvido num diagnóstico desses basicamente é “ah, não vai causar nenhum problema para o trânsito dentro da minha circunscrição, então está ok”. Na prática, algo simples como um semáforo pode causar enormes problemas para o município vizinho.

O próprio complexo viário que liga a avenida dos Estados ao Rodoanel, via Avenida Rosa Kasinski, só saiu do papel porque foi feito pelo governo estadual. Especialmente em uma região aparentemente integrada como o ABC Paulista, que tem até um Consórcio Intermunicipal com esse fim. Mas, na prática, não funciona assim. Na maioria dos casos, nem mesmo os prefeitos dos municípios se conversam para fazer obras públicas em regiões limítrofes. Quanto mais os departamentos de trânsito.

Daí, ocorrem duas coisas bem ruins. A primeira delas é o abandono. Avenidas em regiões limítrofes são mal cuidadas, abandonadas, nem mesmo o recapeamento é feito adequadamente. Um exemplo disso é a própria avenida dos Estados, que é mal iluminada e cheia de buracos nesse trecho entre Santo André e Mauá. E isso não é privilégio de Santo André, de Mauá ou de um grupo específico de cidades. Regiões limítrofes conurbadas sempre são vítimas do descaso dos gestores públicos.

A segunda é o empurrão deliberado de um problema para o município ao lado. Existe uma cultura política muito forte baseada na execução de políticas no Brasil. Um prefeito é avaliado pelo que ele inaugura, e não pelo que ele transforma conceitualmente na cidade. Em regiões limítrofes, é mais fácil executar obras que não resolvam os problemas, mas o transfiram para o município do lado. Em relação ao trânsito, esse tipo de iniciativa é muito mais comum do que se imagina.

Conclusão

O lado  bom é que a solução, nesse caso específico do semáforo, é simples. E, no limite, pode ser arquitetada unilateralmente pela própria prefeitura de Mauá. Mas esse tipo de solução simples nem sempre é comum quando o assunto é a segurança viária. Nesses casos, a solução não foge do óbvio: ter departamentos de trânsito que façam diagnósticos precisos em relação à engenharia de tráfego, ao mesmo tempo em que se pensa conjuntamente a política pública de mobilidade em áreas limítrofes conurbadas. Porque o mais importante para o cidadão é que a política pública de mobilidade esteja bem feita, que gere impactos positivos de fato, pra quem usa diariamente uma via não importa muito qual prefeitura executou o serviço. Importante é que o Estado não apareça mais como aquele que prejudica, e sim como quem resolve os problemas.