Por quê? Desde 2012, a cidade de São Paulo é obrigada a oferecer informações sobre o orçamento público em tempo real. Porém, a transparência em si não é suficiente. Uma pesquisa realizada pela USP mostra que o fornecimento de dados incompletos e a linguagem contábil são dois dos obstáculos encontrados por quem busca saber como o dinheiro dos seus impostos está sendo gasto. Camila Montagner conta como o Cuidando do meu Bairro está fazendo a ponte entre a contabilidade pública e as pessoas, mostrando os lugares que estão recebendo investimentos pela cidade.
As pessoas nos lugares
O projeto foi pensado para trazer o orçamento para o cotidiano. Quando o Cuidando do Meu Bairro começou a ser pensado, em 2011, já existiam aplicativos para a visualização do orçamento federal. A ideia partiu do princípio de que as pessoas se preocupam, sobretudo, em acompanhar aquilo que afeta diretamente o local onde elas vivem. O próximo passo foi criar uma visualização do orçamento em formato de pontos sobre o mapa da capital paulista.
O trabalho, que começou na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, atualmente é feito em conjunto com uma rede de organizações sociais. E, para ter efeito concreto, também mantém canais com a administração pública. Entre sociólogos, antropólogos e desenvolvedores, o Co:Lab (Colaboratório de Desenvolvimento e Participação) é formado por pessoas que atuam na democratização do conhecimento sobre o orçamento. “O que foi feito com o dinheiro dos meus impostos?” virou um projeto real.
“Aliando essas pessoas, pudemos ampliar o impacto e criar uma comunidade de usuários e desenvolvedores para o projeto”, conta Gisele da Silva Craveiro, que é professora da USP e doutora em Ciência da Computação. Desde 2005, ela pesquisa políticas públicas para o acesso à informação. O grupo busca identificar maneiras de tornar possível um governo mais aberto, que trabalhe com as pessoas motivadas em participar e procurar soluções para problemas complexos, como, por exemplo, o planejamento e controle de gastos públicos. Na prática: como o dinheiro dos seus impostos vira asfalto, praça, escola e posto de saúde.
O iceberg
O estudo também avaliou a qualidade das informações fornecidas sobre o orçamento. Descrições genéricas e falta de dados que permitiriam a visualização no mapa indicam que a informação disponível não é suficiente. Nem os cidadãos nem a administração municipal conseguem monitorar a distribuição da maior parte dos gastos se as informações estão mal apresentadas. Mal comparando, é como ser um turista alemão, com um guia em papel, que está no extremo norte de São Paulo e precisa ir para a Zona Sul. As informações até estão lá. O horizonte também. Mas são praticamente impossíveis de entender – e usar.
Convidados para uma reunião na prefeitura com os setores responsáveis pelo portal da transparência, os membros do Co:Lab mostraram a necessidade de aprimorar o fornecimento de dados e torná-los mais legíveis. Entre os problemas identificados estão valores simbólicos que não são compatíveis com os serviços ou bens aos quais são destinados e descrições muito abrangentes, como “manutenção e preservação do equipamento da educação básica”.
A então Secretaria de Planejamento e Gestão criou um novo campo nos registros de despesas chamado “contabilidade detalhada”. Especificar um endereço para os investimentos ainda não é um requisito nos manuais orçamentários. Em 2014 foi possível mapear aproximadamente 12% das atividades orçadas, mas a expectativa é de que esse ano mais dados possam ser geolocalizados. Afinal, quem mora nos bairros sabe. Dizer “recapeamento de rua em Pirituba” ou “posto de saúde em Guaianases” não quer dizer muita coisa. São quilômetros e mais quilômetros quadrados de cidade.
A ponte
Uma coisa ficou clara logo no começo. Um mapa com geolocalização ajuda muito as pessoas que não entendem nada de orçamento público a saber o que está sendo feito com os milhões de reais gastos pagos todo ano em impostos.
Mas, e sempre tem um mas, o uso desses dados para combater a corrupção, melhorar serviços públicos e fazer uma administração mais eficiente depende muito de organizações e indivíduos dispostos a torná-los acessíveis. A pressão precisa vir da sociedade para o governo. E isso não acontece necessariamente porque o governo quer tornar a nossa vida insuportável. O nó é mais simples: o governo não sabe fazer algo que nunca fez. É preciso encontrar pessoas abertas dentro dos governos e ajudá-las a inovar de dentro.
Desde 2012 o grupo trabalha na divulgação do Cuidando. Eles participam de reuniões, workshops e eventos especiais promovidos dentro dessa rede de ativistas para verificar se há alguma dificuldade técnica no uso da ferramenta. Eles também fazem um levantamento sobre o nível de familiaridade que as pessoas possuem com a linguagem orçamentária. Mesmo entre os participantes da pesquisa com segundo grau completo, a maioria declarou ter pouco conhecimento sobre o tema.
O futuro
O Co:Lab trabalha hoje em atualizações para o aplicativo e também em uma nova ferramenta para acompanhamento do orçamento federal, do Estado e da cidade de São Paulo. O nome do projeto é Gastos Abertos. Ele foi um dos projetos premiados pelo Desafio de Impacto Social Google, em 2014, e também inclui cursos e oficinas. O projeto permitirá o acompanhamento de uma quantidade maior de dados, uma vez que essas informações não serão necessariamente exibidas sobre um mapa. Resultado de uma parceria com o Open Knowledge Brasil, seu desenvolvimento está vinculado à Escola de Dados, responsável pela parte educacional da iniciativa.
A versão 2015 do Cuidando do Meu Bairro deve incluir crowdsourcing, ou seja, a possibilidade de as pessoas adicionarem informações sobre os investimentos públicos no mapa. O projeto quer aumentar a parcela do orçamento visualizada no aplicativo e mostrar, da forma mais direta possível, onde cada investimento está sendo feito.
O andamento
Ampliar significativamente o alcance das informações sobre o orçamento público é um trabalho de formigas operárias, que se estende em muitas etapas. Após o lançamento das modificações do Cuidando, o grupo planeja novas avaliações: analisar o resultado atingido e medir o seu alcance. Eles sabem que colocar o projeto na rua é importante – e que medir o desempenho de cada etapa é fundamental. É preciso ouvir as pessoas para criar um produto útil para elas e para a cidade.
“É uma experiência que alcançou bons resultados, mas só é possível medir o impacto a longo prazo. Existem oportunidades para aprimoramento e nós fazemos parte dessa construção social – somos observadores e parte ativa”
Gisele Craveiro
Ouvimos falar de orçamento público durante a sua aprovação e quando os gastos ultrapassam as previsões, mas parte das despesas aprovadas não chega a ser executada. Em São Paulo, mais de R$ 50 bilhões orçados ainda não foram reservados por meio de assinatura de contrato para prestação de serviços, aquisição de bens ou redução da dívida. Além de representar uma oportunidade para as empresas que executam obras, fornecem material e afins, isso também pode significar que aquele recapeamento da sua rua ainda vai demorar…
Para continuar no assunto:
- O compromisso da cidade de São Paulo com o Cuidado do Meu Bairro
- Gisele Craveiro explica o Gastos Abertos em artigo para o Estadão
- O Gastos Abertos no prêmio do Google