O texto em 5 segundos: Leandro Beguoci explica por que o prêmio de cidade mais inteligente do Brasil deve ser um incômodo para o Rio.  Aliás, você também pode gostar de “Cidades Inteligentes: De Onde Vieram e para Onde Vão?” e de “App ajuda Curitiba a trocar lâmpada. É bom, mas ainda é pouco”.

Rio no futuro

O Rio é uma daquelas cidades que derretem até os corações mais peludos, como diria uma amiga gringa. Nessa semana, a autoestima da cidade recebeu mais uma homenagem. A consultoria (paulistana) Urban Systems, especializada em cidades, estudou uma série de municípios brasileiros. O Rio ficou em primeiro lugar no ranking das cidades mais inteligentes e conectadas do país.

O estudo levou em consideração uma série de indicadores. Entraram itens como meio ambiente, economia, tecnologia e inovação, além dos tradicionais saúde, segurança e educação. De fato, o Rio deu passos importantes nos últimos anos.

  • A cidade criou um Centro de Operações Rio (COR). Esse projeto integrou órgãos municipais para monitorar regiões da cidade. Há acompanhamento de clima tanto para prevenir deslizamentos de terra quanto para vigiar os pontos de alagamento. São cerca de 400 pessoas dedicadas a acompanhar cada problema da cidade e responder a eles com o máximo de agilidade possível.
  • Além disso, seguindo um exemplo de várias cidades americanas, o Rio criou a Central de Atendimento ao Cidadão. São quase 50 órgãos reunidos para oferecer informações e prestar serviços aos cariocas. Em vez de manter os serviços fragmentados, como acontece em diversos lugares mundo afora, o Rio unificou para ter ganhos de escala. Você não precisa procurar informações diferentes em vários lugares.
  • E, de quebra, o Rio agora é sede de um Centro de Pesquisas Global da GE, o primeiro na América Latina. Como diz a empresa, “a unidade brasileira, no Rio de Janeiro, tem uma missão e tanto: adaptar a tecnologia desenvolvida lá fora para as particularidades do Brasil (e da América Latina) e criar soluções e produtos no Brasil que serão usados por empresas do mundo inteiro”.

São muitas novidades boas. Só que, apesar dessa boa onda, o Rio precisa se incomodar com o título de cidades mais inteligente do Brasil. Sim, porque uma das características de uma cidade inteligente é não aceitar o presente assim. Essas cidades são famintas. Elas querem mais.

As razões

Quem vive no Rio tem muitas razões para ser feliz – a começar pela vista. E também muitas razões para ficar bem triste – e uma delas é a drenagem de talentos.

O cineasta José Padilha, uma das mentes mais criativas e inquietas do país, deixou o Rio – e o Brasil – com uma série de declarações fortes. Uma delas, em entrevista à revista Trip, é a de que o “Rio é uma barbárie”. Ele resume a sensação de insegurança e medo que muitas pessoas vivem na cidade.

Quando uma pessoa que ama a cidade diz um negócio desses, é bom escutar. Afinal, um lugar inteligente não se faz apenas com muita tecnologia. El4 precisa, e muito, de pessoas preparadas e comprometidas com a comunidade. São elas que fazem a cidade avançar. Esse, aliás, é um dos pontos do autor do livro “Smart Cities”, Anthony Townsend.

Por isso, o Rio não deve sentar sobre o título. O prêmio é só o começo para resolver alguns outros problemas – e ainda nem começamos a falar de habitação e segurança. São itens medidos recentemente, e que são chave para uma cidade com aspirações nacionais e globais.

  • O Rio não está entre os 20 maiores destinos para turismo e negócios do mundo – apesar dos eventos internacionais. Na América Latina, está atrás de Lima (Peru), Cidade do México, São Paulo, Punta Cana (República Dominicana), Buenos Aires e San José (Costa Rica). São dados de um estudo encomendado pela MasterCard.
  • O Rio aparece apenas em nono lugar entre as melhores cidades brasileiras para fazer negócios, de acordo com estudo da Endeavor. A organização, que dá suporte a empresas de alto impacto, criou um Índice de Cidades Empreendedoras. Um exemplo: abrir uma empresa no Rio leva 100 dias, em média. Em São Paulo, são 36. Em Goiânia, 32.
  • Também vale lembrar que o Rio é uma das cidades mais desiguais do Brasil, segundos dados do IBGE. Uma das consequências práticas da desigualdade é bloquear a ascensão de talentos. Cidades com diferenças menores permitem que pessoas com origens distintas tenham oportunidades parecidas.

Por isso, para o Rio, o prêmio é uma homenagem merecida – e também deve ser um estímulo para fazer mais um monte de coisas que a cidade precisa e merece. Quem vive na cidade conhece tanto os problemas quanto o potencial do Rio. Um prêmio é uma boa ocasião para tirar aqueles projetos do papel…

Imagem principal: Foto panorâmica do do Rio de Janeiro (imagem de Jens Hausherr, via Wikipedia)