A maior cidade japonesa fora do Japão. A maior cidade libanesa fora do Líbano. Uma das maiores cidades italianas fora da Itália, rivalizando cabeça a cabeça com Buenos Aires e Nova York. A maior cidade nordestina fora do Nordeste. O sushi, a esfiha, a pizza e viraram comidas tão rotineiras quanto o virado à paulista. São Paulo se orgulha de ser uma cidade formada por imigrantes e sua população muitas vezes abraça isso. Mas será que os paulistanos estão preparados para aceitar que, além de portuguesa, japonesa, italiana, libanesa, nordestina… sua cidade é também boliviana?
Na última semana, a prefeitura da capital paulista divulgou mais uma edição da lista de países com cidadãos estrangeiros residentes na cidade. Portugal ficou em primeiro lugar, com 100.855. O segundo lugar é, pelo quarto ano seguido, ficou com a Bolívia (53.235). Depois aparecem algumas colônias tradicionais da cidade, como Japão (47.317), Itália (33.388) e Espanha (26.496).
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Esse levantamento não serve como verdade absoluta para contabilizar os estrangeiros de São Paulo. As colônias mais antigas – como Itália, Japão, Espanha, Portugal e Alemanha – são formadas principalmente por filhos e netos dos imigrantes, muitos deles já mortos. É evidente que há muito mais de 47 mil ou 33 mil pessoas de origem japonesa ou italiana na capital paulista. No entanto, nas comunidades mais novas, sobretudo a de países em desenvolvimento, muitas pessoas entram no Brasil sem registro. A prefeitura contabiliza 53 mil bolivianos, mas a estimativa em 2014 é que existiam até 500 mil morando na maior região metropolitana do Brasil (a maioria na capital). O número de peruanos e paraguaios, de acordo com os consulados dos países, também seria grande o suficiente para estar nas primeiras posições do ranking de imigrantes.
Mesmo que o número extraoficial esteja um pouco superestimado, os bolivianos já se tornaram cerca de 3% da população paulistana. Para se ter uma ideia do que isso representa, é mais do que o número de flamenguistas (2%) e apenas metade da quantidade de torcedores do Santos (6%) de acordo com pesquisa do Datafolha em 2012.
Por enquanto, é possível muita gente – sobretudo de classe média e alta – ficar alheia à presença de tantos imigrantes do país com maior fronteira terrestre com o Brasil. Muitos dos bolivianos são obrigados a se concentrar em alguns bairros industriais, onde moram e trabalham. No entanto, é inevitável que eles sejam absorvidos pela sociedade e se misturem aos paulistanos “tradicionais” (as aspas são irônicas). Os paulistanos precisam entender que esse processo já está acontecendo.
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Em muitas escolas públicas, bolivianos já representam uma parcela considerável dos alunos. Tanto que professores e diretores se ajustaram para ajudar essas crianças a se adaptarem ao novo país na língua e nos costumes. Há até caso de escola que criou curso de português aos domingos, para ajudar os pais dos alunos.
O mercado de trabalho dos bolivianos ainda é muito marginal, ainda concentrado em confecções e outros trabalhos braçais, mas a tendência é que eles também se insiram em outras áreas. Esse fenômeno criará mais pontos de contato na sociedade e acabará, em muitos cenários, testando o preconceito de muita gente. O comerciante estaria disposto a contratar um vendedor boliviano, que fala com sotaque? Um cliente estaria disposto a ser atendido por um profissional que tenha sotaque e venha de um país mais pobre que o Brasil? Um pretendente a uma vaga de emprego está disposto a aceitar que um estrangeiro foi contratado?
São Paulo viveu isso na primeira metade do século passado, quando italianos, espanhóis e japoneses chegavam aos milhares e sofriam para serem aceitos pelos paulistas já estabelecidos. Agora é a vez de bolivianos, peruanos, paraguaios, haitianos, camaroneses, senegaleses. Eles já fazem parte dessa sociedade ainda que muitos finjam que não existem. Mas isso está cada vez mais difícil. E, quando essa cegueira seletiva se tornar impossível, a sociedade precisará estar preparada para absorver adequadamente essas pessoas.