Cidadãos comuns vigiando uns aos outros. Essa era a base do sistema baojia, criado na reforma do governo chinês em 1069 para o controle civil. A ideia era dividir a sociedade em grupos de famílias encarregadas de praticar a vigilância mútua e fazer com que fosse possível controlar a população empregando poucos oficiais. Uma proposta do século 11 que deixou marcas culturais e foi teve novas versões ao longo dos mil anos seguintes. A última delas é o método de “gerenciamento de rede”, uma das ferramentas do atual sistema de segurança nas cidades chinesas.

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O monitoramento dos civis pelo Estado tem se intensificado, assim como a repressão aos dissidentes, desde março, quando a renúncia do atual líder do governo Xi Jinping foi pedida por meio de uma carta aberta. Pequenas cabines policiais e redes de cidadãos têm se multiplicado com o objetivo de controlar de perto os bairros. O sistema anterior de controle social vinha desaparecendo desde os anos 1990, conforme as moradias privadas avançavam.

O gerenciamento de rede começou a ser implantado em 2012 em Lhasa, a capital do Tibet, na área de Chengguan. A região foi dividida em 175 células que formavam a rede com o objetivo de facilitar a coleta de informações detalhadas em tempo real de cada uma delas.

Wu Qiang, um professor de ciência política da Universidade de Tsinghu, descreve a matriz da rede como uma grade formada por blocos de 100 m² onde a infraestrutura é toda catalogada e codificada e o monitoramento é feito por sete forças: gerentes, assistentes, policiais, supervisores, um secretário do partido, funcionários do setor jurídico e bombeiros.

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Agora, a intenção do governo chinês é expandir esses sistemas para outros locais onde se concentram dissidentes, como Lhasa. A cidade de Guangzhou, por exemplo, anunciou a contratação de 12 mil administradores de rede que seriam responsáveis por 200 famílias. A capital tibetana, por sua vez, já é repleta de oficiais de segurança e câmeras para reprimir protestos. A importância religiosa do local para os tibetanos faz com que cada pessoa seja considerada um protestante em potencial.

Desde que dois migrantes atearam fogo em seus corpos do lado de fora do Jokhang Temple, centenas de tibetanos que vieram de fora da região autônoma do Tibet têm sido expulsos da cidade, segundo o Human Rights Watch.

Outro local politicamente instável, o bairro de Dongcheng em Pequim, foi um dos primeiros a testar o modelo, em 2004. Hoje há uma célula para cada 1,5 mil residentes permanentes, 589 no total. As centrais de monitoramento recebem informações dos funcionários do sistema de rede equipados de celulares com os quais eles podem fazer o upload de imagens de qualquer potencial problema. Tanto em Lhasa quanto em Dongcheng, cada célula tem uma equipe composta de seis ou sete pessoas que têm como prioridade manter a estabilidade local.

Além dos funcionários, as células também contam com voluntários identificados com braçadeiras vermelhas. Segundo o Human Rights Watch, grupo com base em Nova York, eles têm procurado por fotos de Dalai Lama pelas casas como evidência de dissidência.

Como tudo que diz respeito à China, sabe-se pouco sobre essa nova tentativa de reforçar o controle sobre a população. Apesar do sistema ser aparentemente inofensivo, a mobilização dessa rede para reprimir migrantes e manifestações contra o governo é altamente provável e, ao mesmo tempo, dificilmente comprovável.