A cada ano, 1,3 bilhão de toneladas de alimentos consumíveis não são aproveitados, o que implica na má distribuição das oportunidades de acesso à alimentação de qualidade. Esse número representa um terço da produção mundial, e faz do desperdício um dos principais responsáveis pela persistência da fome mesmo nos dias atuais, quando há alimento suficiente para todos.

A França acaba de dar um passo importante no combate ao desperdício, criando uma lei que proíbe os supermercados de jogar fora ou tornar alimentos impróprios para o consumo deliberadamente para evitar que pessoas venham a sua procura. Em vez de se livrar de comida próxima da data de vencimento, os varejistas serão obrigados a doar para instituições de caridade e bancos de alimentos.

Os mercados com mais de 400 metros quadrados terão que assinar um contrato de doação com essas organizações ou estarão sujeitos a uma multa de 3.750 euros. Essa medida foi tomada depois que alguns estabelecimentos chegaram a adotar práticas de inutilização como cobrir alimentos com alvejante ou estocar comida em depósitos para ser coletada por caminhões de lixo, alegando que desejavam evitar que alguém sofresse intoxicação por ter ingerido produtos encontrados no lixo.

A lei, que foi aprovada por unanimidade no senado, está ligada a uma campanha de combate à pobreza conduzida por consumidores e ativistas. A iniciativa foi formalizada em uma petição do vereador Arash Derambarsh, de Courbevoie, que fica há 8,2 quilômetros do centro de Paris. Nos últimos anos, um crescente número de franceses que não conseguem arcar com os custos alimentares passaram a buscar o que comer em lixos de supermercados – para onde vão muitos produtos que ainda poderiam ser consumidos, ainda que se encontrem perto da data de validade.

A estimativa é que o varejo seja responsável por 11% do desperdício de comida no país. No Brasil, segundo a Embrapa, os mercados respondem por 10% do volume descartado de comida ainda em condições apropriadas para consumo. A principal diferença na prática do desperdício aqui e na França é que uma porção muito maior do que é produzido se perde pela falta de equipamento, infraestrutura e transporte adequado de maneira não intencional. Por outro lado, a participação dos consumidores europeus no descarte ou degradação de alimentos que ainda poderiam ser ingeridos é aproximadamente três vezes maior se comparada com os números latino-americanos.

A França já possuía uma lei que obrigava a destinação de comida ainda consumível para animais. A nova medida reverte o benefício aos humanos, já que uma porção considerável do que acaba alimentando porcos, vacas, frangos, entre outras espécies ainda está em condições de fazer parte da refeição de alguém. O país foi o primeiro a adotar a exigência, e a campanha deve continuar para que outros membros da União Europeia façam o mesmo.

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Os bancos de comida e instituições de caridade estão se preparando para receber volumes maiores que as atuais 100 mil toneladas de doações, das quais 35 mil são provenientes de supermercados. As organizações buscam meio de transporte, armazenamento e voluntários para preparar as refeições extras viabilizadas pela aplicação da nova regulamentação. Isso porque a lei também faz exigências de contrapartida para as organizações beneficiadas, que devem estocar alimentos em um ambiente higienicamente apropriado e apto a receber as pessoas que necessitam desse recurso.