O problema do “quem não deve, não teme” para a vigilância em massa

28 de abril de 2016 / 5 comentários

O problema do “quem não deve, não teme” para a vigilância em massa

Desde as revelações de Edward Snowden sobre a NSA, há quem acredite que a vigilância em massa é algo necessário e até benéfico, afetando apenas as pessoas “ruins”, pois “quem não deve, não teme”. Este argumento sempre foi problemático, e as consequências disso estão ficando mais evidentes: governos estão usando leis antiterrorismo para limitar a liberdade de expressão.

É o que nos lembra um vídeo recente do canal Kurzgesagt – In a Nutshell no YouTube. Você realmente confia que o governo sempre vai usar seus poderes de vigilância para o bem?

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Cidades inteligentes

Edward Snowden, Gizmodo, NSA, Tecnologia, Terrorismo, Vigilância

Vagner Alexandre Abreu
Ainda prefiro o argumento de que “quem não deve, não teme”. Se um dia o governo vier me atacar por algo que me soa inocente e o governo não aceita, simplesmente vou contra atacar de alguma maneira.
“Quem não deve, não teme” é um argumento bem simples: se eu não faço nada de errado ou que soe prejudicial a algo ou alguém, não preciso temer reações. Via de fato, subentendo que em uma sociedade, qualquer pessoa é corrupta em algum nível, graças as inúmeras leis e condições morais existentes.
Basta ver que lá mesmo no Gizmodo, inúmeras pessoas postam comentários anônimos e de forma violenta ou ofensiva. (Por isso que fiz os comentários aqui e não lá).
Em uma condição ideal, qualquer atitude prejudicial, que há uso de algum nível de violência verbal, física, psicológica, é punida. Esse é o que no final muitas pessoas querem: o fim de toda e qualquer violência. Com isso, nisso não precisaria temer mais nada: nem as atitudes de policiais desconfiados, nem de criminosos mal intencionados, de ativistas políticos com intuitos escusos, ou terroristas frustrados por desejarem uma vida diferente dos padrões da sociedade onde inicialmente viveram.
Soa distópico.
grande_dino_2
O problema do seu argumento é que ele se baseia na existência de um Estado que trabalha para o bem da população, que tem um senso de justiça alinhado ao seu e que tem a capacidade de manter em sigilo as informações coletadas e processá-las de maneira confiável e eficiente.
Um Estado democrático resolve os dois primeiros pontos em certa medida (embora não tenhamos muitos exemplos de Estados democráticos no mundo. A maioria é democracia representativa que mais parece uma ditadura elegida onde a população elege quem vai governar o país e que, muitas vezes, sequer acha que eles os representam).
Os outros pontos dependem de capacidade computacional e muito bom senso.
Capacidade computacional para desenvolver sistemas seguros e algoritmos eficientes de processamento de dados. Bom senso pois o ser humano é um elo bem fraco de um sistema de segurança e para revisar os casos onde o sistema acusar alguma coisa.
E eu acho que não temos nada disso em nível satisfatório. Mas é só achismo meu.
Vagner Alexandre Abreu
Uma coisa que as pessoas esquecem é que o “Estado” é uma representação da sociedade. É um espelho nosso. Esqueçamos as “burocracias” básicas e pensemos como uma sociedade sem gestão rígida.
A sua primeira frase mostra o foco, só que vou muda-la para deixa-la adaptada ao contexto que quero mostrar: “se baseia na existência de uma sociedade que busca sua auto conservação, tenha um senso de justiça igualitário entre seus membros, e tenha a capacidade de não usar as informações pessoais para definir coisas públicas.
Não precisamos exatamente de “capacidade computacional – isso nosso cérebro o faz sempre, porém não com números mas sim com as experiências de vida. Mas sim de procurar nos entender como parte do Universo que estamos.
Quando estamos em uma sociedade onde todos tem como subentendido “faça para os outros o que gostaria que seja feito consigo”, entende-se que basta respeitar o alheio para ser respeitado (é, eu sei, duas frases bem clichês). É difícil. O ser humano adora procurar jeitos de mudar as condições sociais.
Porém nos últimos tempos, a própria sociedade se entende um pouco mais e subentende também que não precisa de violências contra o próximo para sobreviver. Basta conseguir para si o que deseja dentro das regras estabelecidas. E caso estas regras estejam erradas, que se as modifiquem.
Por isso o “quem não deve, não teme”. Pessoas comuns não vão ousar contra as regras. Não vão passar dos limites. Uma vez que se passa os limites, deve-se. E nisso teme-se reações contrárias. Tirando psicopatas (como alguns políticos brasileiros), as pessoas vão procurar esta empatia de não dever a ninguém.
grande_dino_2
Uma coisa que as pessoas esquecem é que o “Estado” é uma representação da sociedade. É um espelho nosso.
Mas isso é um Estado democrático ideal. Acha mesmo que o Estado brasileiro é um espelho da sociedade brasileira? Que o Estado da Islândia é um espelho da sociedade islandesa?
Na teoria, sim. Na prática?
Aqui eu retomo o que eu deixei em parênteses. Temos poucos exemplos de Estados democráticos de verdade no mundo. A maioria das ditas democracias são mais próximas a ditaduras elegidas. A partir do momento que o governo é eleito, derrubá-lo dá bastante trabalho. Passa por longas batalhas judiciais, algumas vezes até extra-judiciais, e o resultado nem sempre é o que se pode considerar “democrático”.
Não precisamos exatamente de “capacidade computacional – isso nosso
cérebro o faz sempre, porém não com números mas sim com as experiências
de vida. Mas sim de procurar nos entender como parte do Universo que
estamos.
Nosso cérebro consegue processar dados? Consegue.
Consegue processar dados na escala sugerida pra uma vigilância em massa? Sem chance.
Então eu não consegui entender o seu argumento aqui. Ou você não entendeu a minha colocação sobre a necessidade de capacidade computacional.
Quando estamos em uma sociedade onde todos tem como subentendido “faça
para os outros o que gostaria que seja feito consigo”, entende-se que
basta respeitar o alheio para ser respeitado (é, eu sei, duas frases bem
clichês). É difícil.
Aqu também precisa lembrar que “fazer aos outros o que você gostaria que fizessem a você” tem muita coisa subentendida e esquecida.
Existe uma instituição social que dita o que é esperado, o que é apropriado e o que não, baseado em situações, relação com as pessoas envolvidas e outros fatores diversos que não convém ficar detalhando. Quando a institução está bem definida, os problemas são menores. Quando a instituição está passando por uma fase de transição, as coisas começam a ficar mais instáveis. E eu diria que estamos passando por um momento de transição.
Qual a regra social para droids? Eles deveriam poder ficar voando por aí, filmando tudo e todos sem nenhuma responsabilidade? Algumas pessoas acham que sim, outras acham que não.
Qual a regra para smartphones? As pessoas deveriam deixar o smartphone sob a mesa enquanto jantam? As pessoas deveriam poder usar o smartphone no cinema? Na sala de aula? Algumas pessoas acham que sim (no geral os mais jovens ou mais bitolados), outras acham que não (no geral os mais velhos ou menos bitolados).
Essa frase é mais fácil validar para coisas óbvias como roubo, furto, assassinato, etc, mas outras áreas, nem tanto (mas é possível justificar praticamente qualquer ação).
Agora, se eu entendi o seu raciocínio final, o seu argumento é:
“Vivemos em uma sociedade regrada, onde as regras foram feitas visando o bom convívio social. Seguindo as regras, nada de ruim acontecerá, portanto não há motivos para não seguí-las. E se você segue as regras, não há motivo para temores. Só há motivos para temores caso você não siga as regras, mas nesse caso, você deve pagar pela sua desobediência.”
Esse argumento parece bom na superfície. O problema é saber quem define as regras, como as define, quem as interpreta e quanto de bom senso tem as entidades que as forçam. E aí entramos em alguns pontos que o post e o vídeo do Kurzgesagt entram.
Você pode argumentar que é a sociedade a partir do Estado, que é o seu espelho. Eu já acho que é apenas o Estado (formado pelos ditadores que a população elegeu), sem grandes participações da sociedade.
Você tem os casos de aparente abuso de poder de governos sob a justificativa de “estar agindo em prol da sociedade”.
Prisões decretadas a partir de dados coletados e aparentemente mal analisados porque meses depois, as prisões foram revogadas, o que mostra a incapacidade de processar os dados coletados. E isso leva a casos onde as pessoas temem não porque devem, mas porque tem algum dado que sabem que o Estado considera perigoso (como um nome árabe, por exemplo).
O vídeo do Kurzgesagt – In a Nutshell coloca bem a situação.
Vigilância em massa coloca mais ruído desnecessário e pode levar a mais decisões erradas do que certas.
Vagner Alexandre Abreu
1 – Sim, noto que o Estado brasileiro é um espelho da sociedade. Sò ver: quem era já “da elite”, tenta se manter no poder. Quem era “pobre” e virou elite, faz de tudo para ficar como elite, ao invés de ajudar seus “iguais”. E quem se diz a favor de pobre, é da boca pra fora. Isso falando de forma generalizada.
Outra: quem fica no poder, não quer mais sair. Se esbalda nele e no final não vai dar valor ao “resto”. Afinal, já está ali, é só “massa”. A grande maioria dos políticos, se notar, é assim. E nada mais é que espelho de muitos da sociedade brasileira. De atitudes antigas e perpetuadas culturalmente.
2- Vigilância em massa na verdade pode ser colocada de outra forma: desconfiança generalizada. Parte-se do princípio de “Não confiar em ninguém”. Ou seja, você não confia em mim, eu não confio em você. Se em uma sociedade, o padrão seja de confiança, quem é criminoso vai procurar sempre jeitos de sair das regras colocadas. Quanto mais regras, mais muros, e mais limitações a todos. E a culpa sempre será dos então “criminosos”. Porém, mais fácil culpar todos.
Qualquer distopia (do “1984” ao “O Círculo”) trabalha com este princípio: pune-se quem está fora dos padrões adequados da maioria. Noto que na verdade nem precisamos ver isso em distopias. Basta ver em comportamentos comuns: torcedores organizados, pessoas religiosas, seguidores de algum conceito, etc… é a velha “binaridade”, esta que no final é um escudo básico moral: a forma mais simples de criar um muro é separar o “certo” do “errado”.
3 – Esta questão sobre regras que é o ponto principal. Se ficar toda hora duvidando das regras colocadas, melhor ficar sem elas. É o que noto por exemplo quando leio os textos do Leonardo Sakamoto (que apesar de ter ações bacanas para defender os direitos humanos, tem horas que ele exagera na defesa, age de forma meio cega) ou quem defende atitudes como pixação por exemplo.
Não discordo que temos que discutir regras. E que muitas destas regras vem de pessoas que apenas querem defender algo de forma bruta. Empresários por exemplo.
Mas a situação que vivemos é bem complexa, e depende das regras para viver. Depende do conceito de “não dever para não temer” para que haja um mínimo de conforto e sensação de recompensa.
Vivemos baseado em trocas entre pessoas, hoje representado por dinheiro e trabalho. Se notar, boa parte das regras são baseadas nisso: para proteger quem gera renda, e evitar desvios de renda. Ou para defender interesses de grupos interessados.
Se isso tudo está errado, então o ideal é discutir com inteligência. Se viver só burlando as regras, uma hora caímos em uma delas e perdemos algo para compensar a condição de não seguir aquela regra.
Lógico que uma coisa que concordo contigo é que regras absurdas devem ser retiradas. A questão do “nome árabe” por exemplo. Isso é preconceito. No entanto, é compreensível o porque destas regras absurdas existirem, mas tem que se aprimorar então os mecanismos que evitem o uso de preconceitos para não punir muitos por causa de poucos.
Vide as discussões na Europa sobre os refugiados. As diferenças culturais geraram um atrito, e quem é uma “pessoa comum” que atende a padrões estereótipos locais, pede que quem não for de lá e é refugiado, que saia ou nem entre.
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Um ponto extra aqui é o “certo” e o “errado”. Isso tudo é subjetivo e variável conforme cultura e educação da pessoa.
Eu odeio e repudio pixação. Mas sei que tem muitos aqui que leem este noticiário eletrônico e toleram ou gostam. Eis um dos conflitos existentes: se eu odeio e peço punição severa para quem pixa, e quem gosta pede que não se puna quem pixa, como ficamos?
PS: não ví o vídeo. Tou com preguiça. Sério. Desculpe. 🙂