Os Jogos Olímpicos já acabaram, mas ainda estamos longe de saber o que eles deixarão para o Rio de Janeiro. O legado urbano – ou a falta dele – já está estabelecido, com obras de revitalização em áreas do centro, empreendimentos imobiliários engatilhados na Barra da Tijuca, uma linha nova de metrô, algumas linhas de BRT e a Baía de Guanabara ainda poluída. Mas há ainda o destino das estruturas olímpicas provisórias, projetadas para serem desmontadas e se transformarem em construções de interesse social. E, sobre elas, ainda há um mar de interrogações.

Para entender o que acontecerá com o Parque Olímpico é importante recuperar um pouco da sua história. Antes de receber competições olímpicas, a área era pública e ocupada pelo Autódromo de Jacarepaguá, que também foi construído em local que antes era ocupado por moradores  – que foram indenizados, uma vez que eles possuíam título de concessão de uso do território, originalmente propriedade da incorporadora Caledônia. O circuito foi feito em área onde passou a ser permitido exclusivamente o uso público. O autódromo foi desativado em outubro de 2012, mas, nesse intervalo, ganhou um coeficiente de construção, algo que não tinha até 1981, e depois a permissão legal de se erguer em todo o terreno o gabarito de até 12 pisos (alterado para 18 em 2013). Além disso tudo, o uso privado do território também passou a ser uma possibilidade.

LEGADO:
– A gambiarra ajudou Olimpíada, mas não pode virar filosofia de trabalho
O maior pecado da Vila Olímpica não é o encanamento

Além da pista, o Parque Olímpico da Barra da Tijuca também exigiu desapropriação de moradores de favelas da região, como a Vila Autódromo. Aí já surgem situações pendentes. A Matriz de Responsabilidade elaborada pela Autoridade Pública Olímpica, na qual deveriam constar todos os gastos, deixou de fora pelo menos R$ 275 milhões relativos às indenizações pagas aos moradores da Vila Autódromo. Elas deveriam compensar remoções que foram apontadas como necessárias segundo um estudo de viabilidade feito pelas próprias construtoras que venceram a licitação do Parque Olímpico, sendo que os contratos assinados estão sendo investigados em um inquérito do Ministério Público do Rio de Janeiro por “indícios de possíveis irregularidades”.

Atualmente, 75% da área pública original, o antigo autódromo, pertence ao consórcio formado pelas empresas Odebrecht, Andrade Gutierrez e Carvalho Hosken, que venceu a licitação do Parque Olímpico e recebeu do município a posse do terreno ocupado pelas estruturas olímpicas temporárias como parte do pagamento pela execução das obras necessárias (além das mensalidades, que totalizam R$ 265 milhões, há pagamentos extras que somam R$ 250 milhões). Os terrenos foram avaliados em mais de R$ 850 milhões. Depois de ter definido o vencedor da licitação, a prefeitura ainda chegou a formalizar em 2015 alterações que modificaram a localização do velódromo e do Centro Olímpico de Tênis, uma das estruturas que seriam desmontadas para dar lugar a empreendimentos de interesse das construtoras. Segundo reportagem do UOL, essa modificação provocou um “desequilíbrio” na equação, beneficiando o consórcio, e isso deveria ter sido reequilibrado de alguma forma (o que não aconteceu).

A licitação para construção do Centro Olímpico de Tênis foi vencida pela construtora Ibeg, que atrasou as obras, não pagou funcionários e teve seu pedido de falência negado. Resultado: para acabar os trabalhos, foram contratadas em caráter emergencial e sem licitação duas empresas para garantir que as estruturas estivessem prontas para receber o evento: a construtora Volume e promotora de eventos Fagga. Como apenas duas – a principal (10 mil lugares) e a do prédio anexo (3 mil lugares) – das 16 quadras que fazem parte do complexo deverão permanecer no terreno, todo o resto das estruturas é alugado e tem desmonte previsto até o fim de outubro. Sobre as arenas que ficam, a Empresa Olímpica Municipal informa apenas que “a administração dessas arenas está incluída no edital de concessão das instalações esportivas do Parque Olímpico”. Pois bem, a vencedora da concessão também será responsável pela administração do velódromo, das Arenas Cariocas 1, 2 e 3 e da pista de atletismo. Nós voltaremos a falar dessa concorrência mais adiante.

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Outra das estruturas desmontáveis previstas para sumir do mapa é o IBC (sigla em inglês para Centro Internacional de Transmissão). Apesar de a Aecom, empresa contratada para projetar o Parque Olímpico, ter levantado a possibilidade de a estrutura ser reutilizada como base para uma escola, a probabilidade é bem pequena. Isso porque, segundo informações da assessoria da EOM, “a construção está no terreno que ficará para o consórcio do Parque Olímpico [formado pela Odebrecht, Andrade Gutierrez e a Carvalho Hosken] e caberá a ele definir o destino da instalação”. Em entrevista concedida à BBC, Carlos Carvalho, dono da Carvalho Hosken, disse que o consórcio construirá empreendimentos imobiliários no local a partir de 2018.

O Estádio Aquático Olímpico também será desmontado. As duas piscinas serão reaproveitadas para a construção de dois centros aquáticos – um no Parque Madureira (zona norte), com capacidade para 6 mil pessoas, e outro em um terreno no bairro de Campo Grande (zona oeste), para 3 mil. O edital de construção da estrutura prevê duas fases, a obra e a operação e desmontagem, com multas previstas caso os prazos de execução não sejam respeitados.

No orçamento, consta a previsão de custos para a desmontagem e também o preparo para transporte de duas piscinas. Zadar e Engetécnica, integrantes do consórcio vencedor da licitação, pertencem à família de André Lazaroni, líder do PMDB na Assembleia Legislativa do Rio. As empresas foram contratadas sem licitação para finalizar as obras do velódromo (a vencedora da licitação para construção, a Tecnosolo, atrasou a obra e culpou a prefeitura, dizendo que mudanças foram solicitadas no projeto, que acabou sendo a última estrutura olímpica a ser entregue) e do Centro Olímpico de Hipismo (também de responsabilidade da Ibeg). O prefeito Eduardo Paes declarou recentemente ao G1 que uma terceira piscina seria doada para outra capital do país, ainda não definida.

Segundo a EOM, a desmontagem do complexo aquático será iniciada após os Jogos Paraolímpicos e a remontagem será feita ao longo de 2017. O principal uso previsto desses centros será como área de lazer e prática de esporte para a comunidade. Se solicitado, o espaço deverá ser cedido para treinos de atletas de alto rendimento. A parte estranha dessa história é que a prefeitura diz que “os custos de desmontagem do Estádio Aquático estão incluídos no edital de concessão das instalações esportivas do Parque Olímpico”, que ainda está em aberto. Como a desmontagem e preparo para transporte constam no edital de construção da estrutura, a assessoria da Empresa Olímpica deu a entender que isso será licitado uma segunda vez.

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A estranheza da história toda não acaba por aí. A Arena do Futuro terá sua estrutura reaproveitada para a construção de quatro escolas municipais com capacidade para 500 alunos cada. Na licitação de construção, vencida pela Dimensional, é citada a desmontagem, orçada em R$ 1,4 milhão e a obra das escolas, com custos previstos entre R$ 6,5 a 6,7 milhões cada uma.

Mapa esquemático do futuro do Parque Olímpico, com instalações esportivas permanentes e área destinada a empreendimentos imobiliários (UOL)

Mapa esquemático do futuro do Parque Olímpico, com instalações esportivas permanentes e área destinada a empreendimentos imobiliários (UOL)

A Empresa Olímpica Municipal diz que a desmontagem levará aproximadamente um ano e que três das escolas serão construídas simultaneamente ao desmonte na região de Jacarepaguá, uma delas no terreno da Vila Autódromo (o que nos faz lembrar, de novo, da entrevista feita pela BBC, que diz muito sobre as remoções feitas no local). A quarta construção será no bairro de São Cristóvão. Novamente, a assessoria informou que “a montagem das escolas está incluída no edital de concessão das instalações esportivas do Parque Olímpico”. Logo, outra obra que seria licitada pela segunda vez.

Agora, sim, vamos falar do edital de concessão das instalações esportivas do Parque Olímpico, que teve sua primeira versão lançada em 30 de junho deste ano. A abertura dos envelopes com as propostas dos concorrentes do edital estava prevista para acontecer no último 26 de agosto, mas foi adiada sob a justificativa de que o edital ainda se encontrava sob análise do Tribunal de Contas do Município (TCM). Segundo reportagem da agência Reuters, o custo anual para manter os equipamentos olímpicos, objeto da concessão, seria de ao menos R$ 59 milhões para a iniciativa privada e R$ 13 milhões para a prefeitura, com contrato de 25 anos de prazo. Quatro empresas estariam interessadas. O jornal O Globo chegou a publicar que o Ministério dos Esportes decidiu às vésperas dos Jogos “ser parceiro da prefeitura na operação futura das arenas por meio de seu Programa Nacional de Alto Rendimento”.

Em 2 de setembro, uma nova versão do edital foi lançada antes mesmo da conclusão da análise do TCM do primeiro documento. Segundo notícia publicada no G1, o investimento previsto na PPP é de R$ 108 milhões da prefeitura e R$ 130 milhões da iniciativa privada nos primeiros dois anos para cobrir os custos de desmontagens e readaptações. Quando questionada, a assessoria afirmou que o resultado da concorrência deve sair até o fim de setembro. O Outra Cidade enviou perguntas sobre  valores e a quantidade de empresas interessadas na concorrência à assessoria de imprensa da Empresa Olímpica Municipal e não houve resposta até o fechamento dessa reportagem.

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A parceria significaria que o uso de três arenas que seriam exploradas pela iniciativa privada por meio da PPP (Arena Carioca 2, Velódromo e o Centro de Tênis) seria reservado por dez semanas em cada uma para atividades esportivas selecionadas pelos governos. A prefeitura receberia da União repasses como contrapartida pelo uso do espaço. Tanto a data do edital de concessão (e o seu adiamento) quanto a da decisão do governo federal indicam que a definição do destino do legado olímpico está sendo feito a toque de caixa.

Outros indicadores que permitem chegar a essa conclusão é que a notícia de que a prefeitura teria desistido de fazer uma PPP para viabilizar o Plano de Legado chegou a ser publicada. O motivo: o Tribunal de Contas da União não se mostrava inclinado a aceitar, uma vez que boa parte dos investimentos realizados no Parque Olímpico foram feitos com recursos do governo federal (que, depois, parece concordar em repassar mais dinheiro para a prefeitura para usar o velódromo e o centro de tênis que pagou para construir).

As principais fontes de informações que constam nessa reportagem vieram de outras matérias, do RioNow, documentos publicados no site da Autoridade Pública Olímpica e em contatos que fizemos com a Empresa Olímpica Municipal e com o TCM. Muitos pontos seguem nebulosos, em nem os agentes ligados diretamente a eles tiveram informações precisas. Veja abaixo um resumo do que se sabe do destino das estruturas provisórias que foram projetadas para retornarem à população como parte do legado olímpico do Rio.

Arena do Futuro

Quem ganhou a licitação para construção: Dimensional

Quem vai desmontar e remontar: A desmontagem e a construção das quatro escolas municipais são citadas na licitação para construção e constam no Orçamento Oficial Consolidado. A assessoria da EOM, no entanto, afirma que os custos de desmontagem da arena e construção das escolas estão incluídos no edital de concessão das instalações esportivas do Parque Olímpico. A previsão é de que o resultado seja conhecido até o final de setembro.

Quem vai manter: Prefeitura do Rio de Janeiro.

Centro Internacional de Transmissão

Quem ganhou a licitação para construção: A construção do Centro Internacional de Transmissão (IBC) fez parte do escopo do consórcio vencedor da PPP que construiu grande parte do Parque Olímpico. A construção está no terreno que ficará para as empresas Odebrecht, Andrade Gutierrez e a Carvalho Hosken e a elas caberá definir o destino da instalação.

Quem vai desmontar, remontar e manter: Se e quando desejar, o consórcio.

Centro Olímpico de Tênis

Quem ganhou a licitação para construção: Ibeg

Quem construiu: Ibeg, Volume e Fagga Promoções de Eventos (essas duas últimas com contratações de emergência, sem licitação)

Quem vai desmontar: O material é alugado e será retirado pela empresa responsável pelo aluguel. O valor da desmontagem das estruturas temporárias está embutido no aluguel.

Quem vai remontar: Não haverá remontagem, pois a estrutura foi alugada e pertence à empresa contratada.

Quem vai manter: O que sobrar (a arena principal e uma de 3 mil lugares) terá sua operação incluída no edital de concessão das instalações esportivas do Parque Olímpico.

Estádio Aquático Olímpico

Quem ganhou a licitação para construção: Zadar e Engetécnica

Quem vai desmontar e remontar: A desmontagem é citada na licitação para construção. O edital de construção da estrutura prevê duas fases, sendo a primeira a obra e a segunda a operação e desmontagem, com multas previstas caso os prazos de execução não sejam respeitados. No orçamento consta a previsão de custos para a desmontagem e também o preparo para transporte. A assessoria da EOM, no entanto, afirma que os custos de desmontagem, assim como a construção de dois centros aquáticos que reutilizarão duas piscinas do Estádio Aquático também estão incluídos no edital de concessão das instalações esportivas do Parque Olímpico.

Quem vai manter: Os dois centros aquáticos para onde irão duas piscinas do Estádio Aquático serão mantidos pela Prefeitura do Rio de Janeiro. Não se sabe quem pagará pela desmontagem, transporte e remontagem de uma terceira piscina que seria doada para outra capital.