A quantidade de sem-teto cresceu acentuadamente nos Estados Unidos nos últimos dez anos, consequência natural de uma crise econômica que teve como epicentro o mercado imobiliário. Isso traz diversos problemas sociais lógicos, e alguns deles talvez sejam sentidos ainda em longo prazo. Caso de precarização da educação para as crianças que deixaram de ter uma residências fixa.

Um estudo mostrou como esses estudantes têm mais dificuldades para entrar em alguma charter school (escola  administrada por uma instituição terceirizada, que recebem verba pública para isso) do que em uma escola pública normal em Nova York. A pesquisa, realizada pela NYS-Teachs (Centro de Assistência Técnica e Educacional para Estudantes Sem-Teto do Estado de Nova York), mostra que há 99.196 alunos sem residência fixa em escolas públicas, cerca de 10% do total. Em charter schools, o índice cai para 7%.

O modelo da escola não deveria causar diferença, pois ambas são bancadas pelo estado. A diferença é que, em uma, o poder público efetivamente gerencia a escola, e em outro ele paga para alguém gerir. Do ponto de vista acadêmico, as charters tendem a ser mais rigorosas com a frequência dos alunos. Mas o problema principal está nos procedimentos burocráticos adotados nos dois tipos de instituições.

As charter schools são mais procuradas pelos pais. Dessa forma, ela realiza sorteios em abril para definir os estudantes do ano letivo seguinte, que começa no final de agosto ou em setembro. No entanto, uma família sem residência fixa acaba mudando muito de um lugar para outro, entre abrigos, hoteis baratos ou casa de outros familiares. Com isso, ela pode se inscrever para o sorteio da escola terceirizada em abril e, quando o ano letivo começa, estar morando do outro lado da cidade. O estudo da NYS-Teachs apontou que 50% das crianças sem-teto estudam em bairros diferentes de onde suas famílias vivem.

Isso não impede a criança de ficar com a vaga, mas o transporte escolar tem dificuldade de lidar com essas situações e muitos estudantes levam até duas horas para chegar à escola – e mais duas para voltar. Com isso, os pais teriam de pedir transferência do filho para alguma instituição próxima de seu novo endereço, mas é uma tarefa burocraticamente difícil. As escolas públicas têm muito mais flexibilidade para aceitar alunos que mudam de endereço durante o ano letivo.

A falta de estabilidade afeta o desempenho escolar das crianças. Uma pesquisa do Institute for Children, Poverty and Homelessness (Instituto para Criança, Pobreza e Falta de Moradia) revelou que alunos em residência temporária tem o dobro de chance de faltarem constantemente às aulas e três vezes mais chances de serem transferidos durante o ano letivo. As notas, compreensivelmente, são mais baixas na média.

Os números se referem a Nova York, mas a realidade é semelhante em todo o país. Por isso, já surgem iniciativas para facilitar a ida de crianças sem-teto para a escola. Na Flórida e na Carolina do Norte, entidades ajudam esses alunos a terem transporte especial e outros tipos de assistência educacional. Em Nova York, uma instituição que gerencia uma charter school atenua o efeito colateral do modelo das escolas terceirizadas reservando um terço de suas vagas a estudantes que não tenham residência fixa.